O amor e o Gre-Nal

Este texto recebi do leitor e blogueiro Maurício Kehrwald Cruz, via e-mail. Excelente texto retratando a rivalidade Gre-Nal no cotidiano dos jovens gaúchos. Belíssimo texto, Maurício. Agradeço a colaboração!

A figura ao lado mostra algumas rivalidades, ainda que menores à Gre-Nal, mas mundialmente famosas.







"É impressionante como certas coisas, desobedecendo quaisquer tipos de
lógicas e práticas no campo do bom senso, são recorrentes em nossas vidas.
Ou pelo menos estão aí, nas vidas de muitos outros, fazendo parte de nosso
cotidiano.

Comecei assim meio abrangente, mas na verdade eu quero escrever sobre um
mote em específico: por que razões gremistas insistem em namorar gurias
coloradas e vice-versa?

Está aí uma pergunta de difícil resposta. Alguns valer-se-ão da máxima a
qual diz que os opostos se atraem. Ok, respeito a opinião, mas o aforismo
supracitado não dá vazão à complexidade da questão.

Pois bem, vejamos assim, por este lado: o cara é colorado xiita. Daqueles

que sabem a escalação do time que ganhou um jogo válido pela sexta rodada do
primeiro turno do Brasileirão de 1993.

Fanático e membro da Camisa 12 ou da FICO ou então freqüentador da Popular,
nosso herói, já não bastasse a paixão e o relacionamento de altos e baixos
com o time, resolve engatar-se sentimentalmente numa colega de faculdade,
pois nem só de futebol e cerveja vive o macho.

Mas é claro que ele não
conhecerá a moça e acordará um dia descobrindo que ela é gremista. Ele
descobre cedo, e, mesmo assim, decide que vai entrar de peixinho no romance.

É aí, pois, que principia seu ocaso:

- Oi, somos colegas né? – pergunta, com um sorriso tão lindo quanto ela.

(Até porque as gremistas normalmente são lindas... ao menos as que eu conheci)


- É! Somos. Na terça-feira de manhã, cadeira de Introdução à pesquisa –
sorri, quase babando.
- Tá com alguém aqui na festa? – o sorriso é sempre o mesmo: lindo.
- Nem... vim com um amigo, ele se arrumou com uma guria e eu fiquei aqui com
a minha companheira. – Soergue uma Polar, em long neck
- Bom... se tu já tens companhia...
- Minha companhia aceita ser esquecida quando o motivo é tão belo.

(pausa)

(beijos)

Pois é! Vós sabeis que beijos derivam de diálogos até mais absurdos que este
aí acima. A noite acaba em beijo mesmo, ele pega o número de celular dela e
ela o dele.


Cortemos os 3 dias seguintes, a conversa que tiveram por
telefone, a troca de msn e os trâmites todos de um início de relacionamento
na Era Contemporânea. Estamos, agora, na terça-feira pela manhã, aula de
introdução à pesquisa:

- Psiu!
- (...)
- Ei, guri!
- Oi!
- Vamos tomar um café? Não agüento mais essa aula.
- Vamos.

E vão.

No boteco perto do bloco onde estudam, ela resolve tecer comentário acerca
do abrigo completo do Inter que ele está vestindo:


- Colorado, então... – ela sorri
- Sou! Tu também?
- Gremista...
- Ah...

Observação importante: esta é a hora de sair correndo, caso a pessoa em
questão seja irresistível e haja uma possibilidade forte de sair namoro daí.

Mas é claro que não é isso que nós homens, gremistas ou colorados fazemos,
evidentemente.

- Decepcionado?
- É... não... não faz diferença... tu tens outras qualidades. – Sorri, meio forçado
- É mesmo? Quais sejam?
E cita, dissertando sobre cada um, os aparentes atributos da moça.
Ela sorri
Ele a beija.

Corta pra 4 meses depois, dia de Grenal, na casa dela, com o pai da moça: um
daqueles gremistas psicóticos, que, em dia de jogo usa até meia e pantufa do
time. O namorado não foi ao jogo pois como o mesmo é no Olímpico, logo os
ingressos esgotaram e ele ficou sem. O velho não foi porque acha que já
passou da idade de se amontoar em campo de futebol.

Vão ver pela televisão:

- Te prepara que hoje o imortal, multicampeão, invencível e campeão mundial
vai humilhar esse teu timeco.

- Tá, tá, “Sêo” Clóvis... come aí teu churrasco enquanto o sofrimento não
vem!

- Sofrimento? – exaltado e cuspindo farinha na cara da mulher, da filha e do
genro – Sofrimento vai ser o teu com essa bosta de time!

- Certo, certo... agora me alcança mais uma cerveja... – enquanto isso troca
afagos com a filha do “Sêo” Clóvis por debaixo da mesa.

Comem, bebem, trocam provocações. São, agora, dezesseis horas em ponto e a
família (incluindo parentes) da namorada está toda lá, engrossando o caldo
tricolor, numa – perdão, mas o trocadilho é inevitável - agremiação
predominantemente gremista (os colorados haviam conseguido ingresso).

O árbitro apita o apito. A peleja começa.

(Lapso de 1 hora mais 50 minutos)

Vamos às variáveis:

I - Vitória do Grêmio:
- Chora, macaco! – grita o “Sêo” Clóvis
- Tá certo... tá certo... – grunhe o rapaz
- Cadê o Inter? – Grita o “Sêo” Clóvis
- Tá certo... perdemos... – responde em voz muito baixa o rapaz
- Cadê o centroavante de vocês? Não era craque? – brada outra vez o velho
- Certo, certo... não foi o dia do cara... – ele é muito fã do dito centroavante
- Cadê o...
- Cala essa boca seu velho imundo, senil e porco! – Rompe num berro
absurdamente alto, o rapaz.

O namoro acaba.

II – Vitória do Inter:
(Rapaz sorrindo e dando risinhos)
- Tá rindo do que? Foi roubado! – Grita o velho, colérico
- Que é isso “Sêo” Clóvis... jogo bom... alguém tem de ganhar! – responde

quase chorando de rir

- Tira essa camisa já! – Brada o velho cada vez mais colérico e com a respiração ofegante
- Calma...
- Tira isso, seu palhaço!
- Calma aí “Sêo" Clóvis...
- Tira isso seu filho de um corno!
- Cala essa boca seu velho imundo, senil e porco! – Rompe num berro
absurdamente alto, o rapaz.

O namoro acaba.

III – Empate

- Merecíamos a vitória! – exclama o velho
- O empate foi justo... mas o Inter foi melhor – responde o rapaz, já
querendo mudar de assunto
- Justo? Jogaram melhor? Uma ova! Esse seu time é de fracos!
- E vocês empataram com um time de fracos em casa... o que vocês são?
- Olha o respeito comigo rapaz...
- Eu lhe respeito “Sêo” Clóvis...
- Respeita nada, piá! Não tem nem barba na cara ainda!
- Cala essa boca seu velho imundo, senil e porco! – Rompe num berro
absurdamente alto, o rapaz.

O namoro acaba.

O amor, que tantos percalços supera, tanto degraus galga, que tantas
infâmias contraponta; este amor, este mesmo amor...

Nunca transpõe o Gre-Nal."


Maurício Kehrwald Cruz*


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* Maurício escreve no Cuarto dos Fundos e no Elite Tática

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