Um domingo sem futebol

"Portanto, deixando de lado as observações judiciais, vejamos como se procede a observância do Dia Sagrado para o fanático. O dia sagrado determina que nenhum trabalho mundano deve ser realizado. Se então você cessa de todo emprego secular e não faz nada mundano ficando livre para ocupações futeboleiras, vai à cancha, ouve a torcida enaltecendo o clube, pensa sobre coisas divinas, preocupa e espera o futuro, têm diante de seus olhos a decisão próxima e não se importa com as coisas presentes e visíveis, mas com as coisas invisíveis e futuras, esta é a observância do Domingo sagrado do torcedor."*
*Adaptado de um
texto religiososo.


Um domingo é um domingo em qualquer lugar do mundo. Para os que têm a ida ao estádio tão sagrada como a ida à Igreja para os cristãos, o domingo, além de tudo que o domingo pode ser, é dia de futebol. Mas não o futebol da TV ou dos outros times. Se o teu time não joga no domingo, é um domingo sem futebol. Exceções feitas a jogos de Copa do Mundo que, além da óbvia importância, guardam como consolo que o mundo inteiro vive, nestes casos, um domingo sem futebol.

Ainda agora lembro dos domingos da adolescência, quando acordava lá pelas 13 horas, almoço com a família (algumas vezes desfalcado da presença de meu pai, que já se encontrava no estádio, possivelmente na preleção), e rumava para a Pedra Moura, subindo a Salgado Filho, passando por um escritório de contabilidade que todo domingo de jogos do Bagé, colocava uma bandeira jalde-negra no alto do prédio, depois atravessar a Praça das Carretas e finalmente chegar na Líbio Vinhas, no “arrabalde do Menino Deus”, e ficar mirando o número de carros estacionados nos arredores para fazer uma estimativa do público da tarde. Mais perto do estádio, vislumbrava as três bandeiras tremulando (e sempre estão tremulando em dias de jogo): Brasil, Rio Grande do Sul e Bagé, com seu sol que irradia amarelo e preto desde o canto superior (GEB!), e se espalha pelo pavilhão. No portão (seja de sócios ou da arquibancada), sempre aquele tumulto, por menor que seja a partida: venda de ingressos, produtos, alimentos e - principalmente - os pedidos de ingresso gratuitos e as juras de alguma ligação com o clube (que por motivos misteriosos dariam direito a entrada franca). Alguns levavam...
Depois, é claro, o futebol. Futebol!

Esse era e é, um domingo de futebol, verdadeiramente. Não esses de finais e decisões pela TV, nada contra eles, acompanho da mesma forma, mas são incomparáveis. Os da TV, embalados a vácuo e insossos; os do campo, saborosos, daqueles que engraxam os dedos e o bigode.

Por isso tem algo de (muito) melancólico um domingo sem futebol. Mesmo que o futebol salte por todos os lugares, pela rádio, pela internet, com o Jader Rocha em imagem congelada desde Salvador atrás do Grêmio (neste exato momento, na TV Com)... Mas isso é domingo de futebol para eles, não para nós.

Como sou torcedor do Bagé e resido a uns 220 quilômetros da Pedra Moura, meus domingos de futebol se tornaram mais raros ainda. Salvo quando volto ao pago, ou quando o meu time anda por aqui, a maioria dos domingos é sem futebol, e hoje é mais um deles. Mas hoje é duplamente sem futebol, porque além de estar longe, mesmo que estivesse na cidade, não haveria futebol.
Mas para os dias em que o Bagé está em campo, para mim é um domingo de futebol, graças a internet. Pode parecer paradoxal, mas com o meu time em campo, nada é insosso, e até criei certo “ritual” para acompanhar os jogos, ainda que via computador. Mesmo de longe, também almoço cedo, porque barriga cheia na hora da tensão não é nada agradável. Verifico a transmissão on-line da digna e valorosa Rádio Clube de Bagé, (a única das 6 emissoras da cidade a acompanhar os jogos da dupla Baguá) e a partir das 13 horas já fico conectado. No horário do jogo, um maço de cigarros fechado, cinzeiro, isqueiro e o aviso de “não perturbe” no semblante. Não é de engraxar os dedos, mas é um domingo de futebol, mesmo longe da terra.

E hoje que é um dos domingos sem futebol, assisto Cerâmica x Novo Hamburgo na TV (bom jogo, já na segunda etapa), mas o domingo está tão com cara de domingo, que fiquei com vontade de vir até aqui e escrever sobre os domingos de (sem) futebol.

Aos que podem ter um domingo verdadeiramente futebolero hoje: aproveitem, no nosso caso, nem todo o dia o templo está aberto.




Foto: Flickr, autor: rsapa57
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