
Eu imagino se hoje houvesse este tipo de costume entre os torcedores do interior, com passagens de trens baratas (em relação ao aluguel de vans e ônibus) e vagões inteiros ocupados por torcedores dos clubes do interior do Estado, dirigindo-se para acompanhar os jogos fora da cidade. O futebol do interior estaria em que patamar? O pior é pensar que esta época já existiu e que havia muita gente que apoiava incondicionalmente o clube da cidade, a despeito da raridade de títulos, desde a década de 40.
Mas era assim no interior gaúcho, principalmente na Metade Sul, naquela época e me pergunto se alguém possui ou tem conhecimento de alguma foto com essa gente, nestas viagens lendárias. Se alguém souber, que entre em contato, seria um belo resgate.
Mas nem tudo eram flores, mesmo naquela época dourada. Às vezes eram pedras.
O Dr. Jesus Ollé Vives, ardoroso torcedor do Bagé e que já ocupou cargos na diretoria jalde-negra inúmeras vezes, guarda um curioso impresso, que circulou nas mãos dos moradores de Livramento e Rivera, à época:
“Ao povo de Santana e Rivera:
A torcida rubro-negra convida a população das duas cidades a recepcionar ao famigerado quadro do Grêmio Esportivo Bagé à altura da maneira com que foram tratados os valorosos quartorzeanos quando excursionaram à cidade de Bagé.
Repugna aos nossos foros de cidade civilizada hospedar a horda de bárbaros bajeenses que, num atestado de incultura e vandalismo, traíram as tradições de hospitalidade dos rio-grandenses e, por isso, merecem o desprezo de todos os desportistas desta fronteira.
A torcida rubro-negra previne que assumirá atitudes de represália contra todos aqueles que, de uma forma ou de outra, facilitarem a estadia dos bajeenses em nossa cidade, quer hospedando, dando condição ou tratando com elementos da sua caravana.
Exige o bom nome das nossas cidades que os bajeenses sejam tratados como bárbaros e covardes que são.
Como será um dia de luto aquele em que o barbarismo chegar a nossa cidade, Santana estará vivendo um de seus dias mais tristes quando pisarem em terra santanense os representantes do Grêmio Esportivo Bagé.”
Os grifos no texto acima são meus, obviamente. Ocorre que na época era comum, junto com as excursões de trens, o apedrejamento dos vagões que traziam a torcida visitante, não só em Bagé. Contam também os mais antigos, que as sessões de pedras e brigas, podiam ocorrer em várias estações pelos arredores da cidade, antes do trem estar definitivamente a uma distância segura ou desestimulante.
Não sei o que houve com a torcida no jogo da volta, na matéria que conta sobre esta história não há relatos sobre, mas os jogos foram em 1951, 2 x 2 em Bagé, e 3 x 3 em Livramento, apesar do clima de guerra o Bagé não se intimidou. Pode-se notar que este artifício já é utilizado há bastante tempo no futebol e, assim também como hoje, nem sempre dá resultado em campo. O Bagé acabou eliminado da competição mais tarde, em Rio Grande, perdendo para o “vovô” por 6 x 0. E mesmo abaixo de pedradas e brigas, o futebol do interior era bem mais pujante no Rio Grande do Sul dos anos 40, e hoje sem pedras mas (perdoem o trocadilho óbvio) sob escombros.

Matéria via Jornal Minuano (Bagé-RS).
Fotos: http://www.estacoesferroviarias.com.br/ (na primeira, a Estação Central de Bagé nos anos 30 e na segunda nos dias atuais, agora funcionando como sede da Prefeitura Municipal).