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O bochicho da rivalidade Ba-Gua pega fogo
As histórias do clássico Ba-Gua encerram a série de reportagens do Gauchão de antigamente
JONES LOPES DA SILVA (Jornal Zero Hora)

O bochicho da rivalidade Ba-Gua pega fogo. Os qüeras do Guarany abrem o sorriso porque o time campeão da Série B do ano passado hoje é um dos caçulas do Gauchão que se iniciou sábado. Nem por isso os guapos do Bagé se dão por vencidos, apesar de penarem na Segundona desde 1986 [nota do blog: na verdade a última vez que o Bagé esteve na Série A do Gauchão foi em 1994], e da falta de grupo de jogadores e de um presidente eleito.

- Interditaram o campo do Bagé para reforma agrária - debocham os índios do Guarany.
Do outro lado da Avenida Sete de Setembro costuma passar Carlinhos Catador, 40 anos. Paramentado de amarelo e preto, ele empurra o carrinho recolhendo papelão para manter 20 crianças do bairro Santa Cecília no bloco burlesco Aqui e Agora e na torcida do Bagé. É o símbolo do clube.
- La pucha! Bageense é quem nasce na cidade - avisa. - Eu sou jalde-negro!
Ao meio-dia, o comércio fecha, a cidade se encoruja e a flauta entra em recesso. Mas, às 14h, após a sesta, as lojas reabrem, e os fanáticos voltam aos seus postos sob sol inclemente. Peões e pecuaristas de bota, bombacha e chapéu de barbicacho ignoram os 34ºC com sensação de 40ºC e parecem os únicos seres do município de 120 mil habitantes na Fronteira Oeste sem opinião sobre o Ba-Gua.

- É o time do povão, sim.
Essa polêmica corre nas coxilhas da Campanha. Depois da escassez da água, que só pinga após as 14h, por falta de solução à carência de chuva, a altercação entre "alvirrubros" e "jalde-negros" é saber qual é a maior torcida. O Grêmio Esportivo Bagé nasceu em 1920 da fusão do 14 de Julho e do Rio Branco, de bairros populares. Já o Guarany é fruto da boêmia que rolava na Praça da Matriz. Entre uma serenata e outra, Carlos Garrastazu, recém-chegado de Montevidéu, fundou o clube, mais tarde associado aos militares.

- Nunca vi Ba-Gua decidido só dentro de campo!
A história do goleiro argentino Héctor Lugano é a mais corrente. Era ele a fortaleza do Guarany num clássico de 1953, até o zagueiro bageense João Nascimento cobrar uma falta do seu campo de defesa. Ou seja, antes do meio do campo. A bola voou por todo o gramado do Pedra Moura. E entrou. Uma parte do estádio riu, a outra, praguejou, e o Bagé venceu por 1 a 0. O lance mereceu a gaiata denominação de "Gol dos 70 metros".
Sem mencionar nomes e datas, Lopes discorre sobre um Ba-Gua dos anos 60. Um conhecido árbitro da cidade tinha a missão de favorecer um lado, mas se viu obrigado a assinalar pênalti contra seus próprios interesses. O goleiro não defendeu a cobrança, e o árbitro mandou bater de novo. Outra vez saiu o gol e o juiz exigiu uma terceira batida, porque, afinal, o goleiro tinha que defender uma para garantir o dinheiro. Mas o frangueiro tomou outro. Indignado, o árbitro chamou o goleiro a um canto e o inquiriu:
- Quem é o vendido aqui, sou eu ou és tu?
A incrível história do ba-gua dos cem tiros
Corria o Ba-Gua de 1964 e a torcida do Guarani estava impaciente com o árbitro Mário Severo. Quando ele expulsou o craque alvirrubro Storniollo, a irritação cresceu e os xingamentos já não foram suficientes. Mal acabou o clássico em 1 a 1 no Estádio Estrela D'Alva, do Guarany, um gaiato invadiu o gramado e agrediu o árbitro. Rapidinho, os exaltados cataram pedras e garrafas e tentaram fazer seu Severo de alvo.
O alambrado do lado da torcida do Guarany deu sinais de ceder, e a Brigada tomou posto. Não adiantou. Sem solução, os brigadianos atiraram para cima. Esperavam assustar a horda. Que nada. O pobre do árbitro continuava engalfinhado com o torcedor e os tiros correndo solto.
O tiroteio foi tamanho que os jornais locais batizaram o episódio de Ba-Gua dos 100 tiros. Por um bom tempo, a grande polêmica na cidade era saber se o número dos estampidos foi mais ou menos do que o calculado pelos jornais.

Alegam os qüeras do Bagé que o episódio foi vingança por fatos ocorridos em um clássico anterior, disputado no Estádio Pedra Moura, quando os viventes do Guarany furaram quase todas as bolas de jogo.
A lista dos inacabados começa em 1931. O Bagé vencia por 2 a 0 e o Guarany saiu de campo. Dez anos depois foi o Bagé que deixou o gramado no segundo tempo por não concordar com a expulsão de Tupã.
Houve mais três clássicos nos anos 30 que mal chegaram à metade do segundo tempo por causa de briga generalizada.
- Só não havia batalha quando torcedores contrários reconheciam do outro lado seus amigos. Então, descia uma aura de civilização e eles se apartavam - conta o jornalista Mário Nogueira Lopes.

Houve outros episódios de brigas de jogadores e batalha campal em 1956, e em 1969, o clássico não foi adiante por falta de garantia ao árbitro João Carlos Ferrari, atingido por uma pedrada.
Mas ninguém expulsou mais jogadores nos gramados de Bagé do que o valente Tristão Garcia, um árbitro de Pelotas. Num Ba-Gua de agosto de 1950, ele colocou dois para rua, um de cada time. Como o jogo perdurou na categoria da selvageria, e como a torcida surpreendentemente não ameaçava represálias, ele se manteve na missão de pôr ordem na casa. Quando já havia três do Bagé e quatro do Guarany fora de ação, Garcia ouviu o rancor das arquibancadas e se aquietou.
Nunca expulsaram tanto num Ba-Gua. Perto disso, só o clássico de maio de 2003 [relatado anteriormente aqui no blog], com seis expulsões. Ou o dia em que os reservas dos dois times ameaçaram brigar. Aconteceu em 1997. Os dois times em campo, assistindo a tudo surpresos, e os reservas querendo se engalfinhar. Acabaram expulsos.
Vinganças, intrigas e "corpo mole"
Já garantido no octogonal final do Gauchão de 1987, o Guarany enfrentou o 14 de Julho apenas para cumprir a tabela. Se empatasse, também classificaria o Bagé. A semana do clássico chegou recheada de intrigas, com os jogadores do Guarany acusados de estar dispostos a amolecer a partida. Para surpresa de todos, o Guarany fez 1 a 0 e o time se mantinha no ataque. De repente, o 14 de Julho empatou, fez o segundo e o terceiro: 3 a 1. O Bagé quedou-se desclassificado.
Na primeira partida do ano seguinte, o Bagé goleou o Guarany por 4 a 0 no gramado novo do estádio Estrela D'Alva, o Antônio Magalhães Rossel. Mas ainda não se considerou vingado. Pela Copa Cidade de Porto Alegre, em 1991, valendo passagem para o Gauchão, o Guarany disputava vaga direta com o São Paulo, de Rio Grande. Mas deu azar. Dependia do Bagé para vencer o São Paulo no Pedra Moura, na última rodada. Os jalde-negros jogaram com um misto. O time não resistiu ao São Paulo, perdeu por 1 a 0 e foi eliminado.
A desconfiança sempre rondou a cidade de Bagé. Jogador de um time não podia ser visto com um da outra equipe porque logo corria pela Sete de Setembro o boato de que um deles estava vendido. Havia guerra de apedidos nos jornais.
- Bastava encontrar o adversário na esquina para plantar a notícia de complô e a expressão "está vendido" - conta Saulzinho.
Até 1977, calcula Saulzinho, os estádios costumavam colocar mais de 5 mil torcedores por jogo. Nos anos 50, 60 e 70 eram tempos sustentados pela força da pecuária, com dinheiro mais fácil. Não foi à toa que os grandes times da região, como o Guarany de Saul, Solis Rodrigues, Tupãzinho, Ivo Medeiros, Max e Ênio Chaves surgiram nessa época.
Mas foi nos anos 20 que o futebol local explodiu. Assim, o Guarany sagrou-se campeão Gaúcho em 1920, bicampeão em 1938 e vice em 1926, 1929 e 1958. Campeão em 1925, o Bagé ainda foi vice em 1927, 1928, 1940, 1944 e 1957. Mas foi o Bagé quem teve o perfil de clube revelador. Foi no Pedra Moura que surgiram Tupã, Raul Calvet, Sérgio Cabral e o próprio Saulzinho. Todos eles acabaram depois no Guarany.

( jones.silva@zerohora.com.br )
Que chute!
Em clássico de 1953, zagueiro do Bagé bateu falta de seu campo e marcou o gol da vitória sobre o Guarany.
O lance foi denominado Gol dos 70 metros
Galego

A seleção de Galego só viajou.
Matéria publicada no Jornal Zero Hora (Porto Alegre-RS) no dia 23/01/2007.
Autor: Jones Lopes da Silva
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Fotos: Jornal Zero Hora
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