Volantes

Volantes*

1.Que voa ou pode voar; voante.
2.Flutuante, ondulante.
3.Que se pode mudar facilmente; móvel.
4.V. voltívolo (1).
5.Errante, nômade, vagabundo.
6.Passageiro, transitório, efêmero.

Estas são as seis definições do Dicionário Aurélio para o verbete volante, enquanto adjetivo.

Pra falar a verdade, eu nunca entendi muito bem essa coisa de chamarem volante o jogador que ocupa a posição reservada aos atletas mais voluntariosos e menos técnicos do time. Mas quando cheguei ao item de número 5, conclui: é um deboche! Só pode ser um deboche!

- É um erro de tradução, meu caro, e...
Sim, sim! Esqueçamos este detalhe, senão a coisa descamba para a seriedade explícita.

Além do mais, algumas culturas do futebol dão a entender que volante técnico é imprestável. Basta um camisa 5 ou camisa 8 dar um toque mais refinado ou uma subida pela linha de fundo que já aparece a turma da corneta pra largar:

- Ih... volante faceiro... não sei não...

Ou:

- Epa! Ei, treinador! Ô, burro! Saca esse passista e coloca o Sidnei Volvo pra dar mais pegada!

Ou, pior ainda:

- Volante bom tem que dar pau o tempo todo. E se for expulso, cospe na cara do juiz. Que é pra mostrar quem é que manda.

Confesso que já fui assim. Fui e ainda sou um pouco; no entanto sou bem menos radical hoje em dia. Inclusive até admito que um dos dois volantes saiba jogar. Os dois não, porque aí também seria exagero.

Falar sobre volantes me fez recordar uma história, verídica, claro.

Certo, ela pode ser quase verídica, e, se não é de uma veracidade plena, ao menos é baseada em fato sucedido, e... enfim, vamos ao causo:

Certa feita surgiu num time do Rio de Janeiro um volante muito habilidoso, que marcava gols, inclusive. Tinha uma boa noção de cobertura da zaga e dificilmente errava um passe.

Pois aconteceu que este jogador, depois de conseguir o merecido destaque, foi negociado com o futebol ucraniano e passou duas temporadas lá. Se jogou bem ou não pouca diferença faz, afinal, o cara que vai pra lá, vai pra ficar rico e pra desaparecer.

Bom, mas acontece que depois deste tempo o cidadão quis voltar para o Brasil, sob o pretexto de tentar vaga na seleção, pois assim seria observado de perto e etc...
Seu empresário numa – como diria o grande jornalista Marcello Carvalho Barbosa – "negociação digna de um Oscar" tanto fez que conseguiu colocar seu atleta, através de uma transferência milionária, no futebol paulista.

Após certa demora, graças aos trâmites de praxe, o cara estreou já num clássico. Passou o primeiro tempo inteiro perdido correndo atrás da bola, e, quando recebia um passe, logo despachava a pelota para o campo de ataque.

Voltou para o segundo tempo mais perdido ainda. Poucas vezes pegou na bola e, assim, foi substituído.

Em entrevistas pós-jogo o treinador pediu paciência para com o atleta, pois era sua primeira partida, a equipe havia conseguido a vitória... Aquela conversa de técnico de futebol.

Foi, porém, na única resposta dada pelo atleta à única questão que lhe foi feita, que todos sentiram o drama da coisa:

- E aí, o que falta pra você voltar a apresentar o seu melhor futebol?

- Neve.

O empresário do atleta riu.
O presidente do clube chorou.

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* Texto de Maurício Kehrwald
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