Mais sobre o futebol do Interior Gaúcho

Sei que algum ufanista torcedor do Juventude vai ter xiliques.

Calma! Caso Vossa Senhoria faça parte da Nova Geração de viventes que nasceram torcendo pelo clube, obviamente nem sabe do que eu falo, portanto apenas leia e não reclame.
Caso seja um dos 200 torcedores DE FATO que o clube tinha antes dos anos 90, orgulhe-se de si mesmo.
Caso faça parte do resto, leia, caso ainda não saiba, como sua paixão começou.
Pouco antes da metade dos anos 90 o Juventude fechou aquela tão famosa parceria com a Parmalat. Logo subiram - com méritos - para a série A. (Inclusive na semifinal, jogando contra o Americano de Campos, no RJ, o clube disputou uma das partidas mais violentas de que tenho lembrança, mas, enfim...).

Nos primeiros anos de Série A (uns 3) 90% da torcida (eu diria mais, mas não quero ser radical) era formada por torcedores do Grêmio (uns 80%) e torcedores do Inter que queriam dar uma força para um time da cidade que havia subido etc, etc...
(Quero ressaltar que fui prestigiar, em 1995, a convite de um vizinho, uma partida entre o supracitado clube e outro que infelizmente a memória obliterou. Estávamos às vésperas do confronto Grêmio X Ajax e um vendedor anunciava FAIXAS ALUSIVAS A TAL PARTIDA.
Algo como "Grêmio Campeão do Mundo 95". Estávamos nas cadeiras e, só na proximidade, vi 6 pessoas COMPRAREM A FAIXA, para o desespero do meu vizinho e minha total incredulidade.)
Tranqüilo.
O tempo passou e após uma série de bons resultados do emergente Juventude frente ao "sucateado por diretorias mambembes" Internacional, a tal maioria gremista presente nas arquibancadas do Jaconi ficou cada vez mais evidente. Foi em 1998, com a conquista do título gaúcho perante o mesmo Inter e o título da Copa do Brasil no ano seguinte (com direito a goleada folclórica em pleno Beira-Rio nas semi-finais), que ser torcedor do Juventude passou a ser interessante.

Eu acompanhei bem de perto - e isso certamente teve algum impacto na minha forma de ver o futebol e a vida - o formidável caráter de toda uma geração, que sepultou suas camisetas tricolores (vi alguns torcedores do Internacional fazendo isso também, mas Caxias sempre foi uma cidade majoritariamente gremista, então a proporção foi tipo 7 pra 1 no concerne à abominável traição) e passou a trajar a nova paixão eterna: o branco + verde esmeraldino.
Corta 2007 - Juventude cai para a Série B2008 - Juventude perde de uma maneira bastante singular a final do Gauchão.

Comentários de 4 conhecidos, juventudistas, em resposta à mesma pergunta, em ocasiões diferentes: E agora, tá otimista pra subir para a série A?

Sujeito A: "Ah, cara, meu time MESMO, sempre foi o Grêmio
"Sujeito B: "Ah, sou Juventude no interior, time, time, é o Grêmio
"Sujeito C: "Meu time tá na Libertadores
"Sujeito D: "Logo sobe... mas tu tá ligado que torço pro Juventude só quando não joga contra o Grêmio, né?"

Ah... um deles integra uma organizada do Juventude. Outro é filho de conselheiro do clube (e, sim, herdou o time do pai). Não quero fazer pouco caso do Juventude. Não mesmo. O que o clube conseguiu entre 94 e 99, nunca vi clube algum do interior conseguir (tirando o São Caetano, que nem é EXATAMENTE do interior...).

O que eu quero dizer é que, mesmo concordado com o George (que aliás, defende o futebol do interior como poucos), sempre há exceção.

E além disso, fazia tempo que eu queria contar como vi essa história acontecer. Ah, sim... pra mostrar como tenho RESPEITO pelos torcedores do clube, e que sou um cara legal, nem citei o caso Red Bull.

Maurício Alejándro Kehrwald
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Fotos: Globo.com, site do Juventude e http://arivaldomaia.globolog.com.br

A descarga

No Jogo do Bicho, uma manobra utilizada pelos bicheiros era a “descarga”: se um apostador jogasse uma quantia muito alta para determinada praça, o que geraria um prêmio altíssimo, o mesmo jogo era feito pela banca em uma praça maior. A intenção era evitar a “quebra da banca”.

Aqui no Rio Grande do Sul ocorre algo parecido no futebol. Com as redes de comunicação do centro do país destinando a maior parte de sua cobertura para times de Rio de Janeiro e São Paulo, a grande imprensa gaúcha ( principalmente a TV) faz uma espécie de “descarga”, há muito anos, no interior do Estado. E não só a imprensa, mas os grandes clubes também. Então tudo aquilo que a dupla Gre-Nal reclama, tanto da imprensa como de arbitragens e CBF (STJD), praticam em escala menor (para eles) nos seus domínios.

O resultado disto vai muito além de problemas com arbitragens para os times do interior gaúcho, mas passa principalmente pelas fórmulas que são feitas com exclusiva preocupação com a dupla Gre-Nal e suas competições maiores, e principalmente, pela formação de novos torcedores.

Se tratando da fórmula, todos sabem que para os grandes da capital, seria inviável economicamente um campeonato mais longo. Entretanto para os times do interior, o campeonato é muito curto, e no restante do ano sobram apenas o ócio ou a Copa do segundo semestre, sempre pouco valorizada e mal trabalhada. Este é um problema que a solução envolve muitos fatores, contribuindo para sua permanência o tamanho territorial do Brasil. O ideal seria que todos os clubes em atividade estivessem inseridos em uma competição nacional, não importando a divisão, mas com um calendário anual e bem organizado. O problema é que a partir de certo ponto, se torna inviável dadas as distâncias que teriam que ser percorridas, e o dinheiro para custeá-las, inversamente proporcional.

O que sobra para o torcedor do interior o resto do ano, é assistir à exaustão a dupla Gre-Nal disputando grandes competições, e o futebol do interior quase não divulgado, inclusive nas próprias cidades, efeito do massacre de informações da Dupla, que chegam via televisão, TV a cabo, grandes portais, grandes rádios e grandes jornais. O torcedor não acompanha o time da cidade, passa a não consumir os produtos do time da cidade (que a partir disto passa a oferecer menos produtos, por falta de dinheiro e patrocínio), e alimentando este ciclo, a imprensa diminui ainda mais a cobertura do time local e/ou do futebol do interior gaúcho...na sequência , menos torcedores se importam como anda seu time, e assim continua.

A dupla Gre-Nal, ajudada pela imprensa, faz sua “descarga” no Interior Gaúcho. É ali que conseguem expandir mercado. Com a valiosa ajuda da imprensa, principalmente televisão. A mesma imprensa que é acusada de ser “pró-Eixo” (RJ e SP), aqui no RS faz exatamente o mesmo, só que contra os times do interior, times que têm muito menos condições de lutar contra isto do que os “coitadinhos” da Dupla.

Hoje à tarde, no jogo Inter - SM x Grêmio, uma pequena mostra disso. Uso o jogo apenas como exemplo recente, mas sei que isso ocorre por todo o Interior Gaúcho, em menor ou maior escala, dependendo da cidade.
Atrás das duas goleiras, torcedores do Grêmio. Num dia de semana, ingressos por 30 reais, uma das arquibancadas lotada por torcedores do Grêmio, e a outra com um bom público, ainda que não lotada. Já a arquibancada em frente às sociais, onde ficaram os torcedores do Inter-SM, cheia de espaços e clarões. Poderia ser uma coisa absolutamente trivial, se não fosse o fato de que, aqueles clarões produzidos na arquibancada do Inter-SM, eram justamente porque centenas de “locais” entupiam a arquibancada gremista, inclusive com uma faixa atrás do gol, orgulhosamente (?) mostrada. É óbvio que também estavam ali torcedores de outras localidades, principalmente de pequenas cidades adjacentes, e outros de Porto Alegre, mas não diminui o fenômeno.

Pelo acima escrito, há que se entender que a superexposição da Dupla nos meios de comunicação gaúchos causam este tipo de resultado e isto e aquilo .......mas eu não entendo mais.
Ver o time da própria cidade peleando com o que não tem, contra um time que tudo possui, inclusive os moradores da própria cidade interiorana, não se comover e continuar e vestir uma camisa ‘’estrangeira’’, e a entoar cantos contra o time que, muitas vezes, foi construído por seus antepassados? Já seria de uma imbecilidade extrema, mas transcende isto e torna-se uma grande traição, não há outra maneira de qualificar isto. E aí restam apenas as migalhas do que já era farelo.

E assim, pagam 180 reais por uma camisa do time da capital, e não pagam 80 pela camisa do time da cidade. Associam-se (mesmo não indo na maioria dos jogos), criam consulados, excursionam, debatem na internet, tudo porque na TV as imagens são sedutoras. Para o time da cidade, reclamam quando pagam um ingresso de 10 reais, e quando pagam, vão para tela exigir elenco igual ao que eles se acostumaram a torcer pela TV.

Se essa situação que é quase surreal fosse vista de outro modo, beiraria o ridículo. É como se uma família miserável deixasse de comprar algo da alimentação diária, para colocar os poucos reais economizados na caixa de correio de um vizinho bastante rico. E quando o vizinho rico trocasse de carro (pela 3ª vez no ano), essa família se amontoasse emocionada, abraçada e entre lágrimas, a gritar no pátio de terra batida: “arrá, urrú, temo carro novo!”. O vizinho, que está indo estrear o carro, agradece a comoção sem sentido com um leve toque de buzina.

Parafraseando um grande escritor, “Longa é a jornada de um imbecil até o entendimento”. Aí, para o cúmulo, o interior tem que ler frases do tipo: JAMAIS NOS MATARÃO (e frases similares, nas torcidas da dupla Gre-Nal). Mas é óbvio que jamais matarão nenhum dos grandes da capital, que vampirizam no interior aquilo que reclamam por perdido no centro do país.

Mais um Gauchão teve início, a Segundona começa em março, e ano após ano se repetem as mesmas coisas, os mesmos comportamentos e com isso o definhamento dos clubes locais. O que começa a mudar, e é negativo igualmente, é que agora, com a TV também dedicando enormes espaços aos grandes europeus, estão aparecendo muitos adolescentes (e alguns adultos) “torcedores” de manchesters e reias madrids, aqui no Brasil, e consumindo produtos destes times.
O interior que trate de manter seus últimos torcedores, porque vem por aí mais outra “descarga” dos tão infortunados e perseguidos times da Capital.

Carta aberta de Maurício Kehrwald

Maurício anda lá pelas bandas do ''Eixo'', e de lá escreve este excelente relato, via e-mail. Abre a gaita, Maurício!

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George,


A gente, que acompanha com um interesse doentio aquilo que convencionamos (nosotros do Puro Futebol) como periféricos do futebol, provavelmente já chegou ao que eu chamaria, sem falsa modéstia, de estado parapsicológico do segmento. Sabemos só pelo discurso de determinado dirigente qual o jogador que ele vai vender e de quais regiões do país ele vai trazer os próximos ineptos para a posição (gastando quase todo o dinheiro obtido com a venda do jogador bom e errando miseravelmente em TODAS as contratações).

Acontece que precisamos ter a humildade de reconhecer que, quando tratando-se de extra-campo, nosso conhecimento superior é bastante restrito ao futebol gaúcho, o que é normal e compreensível.

Como tu deves saber - ou não - eu estou faz um mês aqui em SP. Este pouco tempo não me torna um candidato a parapsicólogo da cultura futebolística local, mas dá, sim, pra tirar uma temperatura aproximada de alguns FATOS sobre o torcedor-médio (aquele mané que torce pra um time mas não se preocupa muito com ele).

Para a nossa realidade isto é mais complicado, pois no Rio Grande temos aquela cultura de SER alguma coisa. Quem torce pro INTER tem um motivo forte para tal e a mesma coisa acontece com o GRÊMIO (cito os dois representantes pois não estou mais em idade de fazer demagogia dizendo que tem mais algum clube grande no estado). [N.E: esqueceu do Bagé, mas tudo bem.]

Em São Paulo é diferente. E nas minhas vindas anteriores eu não havia detectado que a diferencia de cultura era TÃO grande, no que tange ao futebol, como reflexo de outras coisas.

Sobre os torcedores DE FATO, aqueles que sabem o que se passa com o clube (tipo 1 pessoa a cada 20 com quem conversei), vale ressaltar uma curiosidade: eles respeitam muito, mas muito mesmo o futebol gaúcho e têm certeza absoluta que jogar contra Inter ou Grêmio é enfrentar um bando de doente que vai dar a vida em campo, além de ser comum-acordo que a imprensa esportiva local é um câncer.

Certo... mas como eu disse estes são exceção. Caras assim, dá pra convidar pra um churrasco no Rio Grande e falar de futebol numa bueníssima. Quem trata o futebol como filosofia de vida pode ser gaúcho, paulista, uruguayo ou acreano... vai ser uma conversa legal.

Eu quero é falar do TORCEDOR COMUM.

E quando eu falo de TORCEDOR COMUM, eu preciso destacar 2 em especial. O torcedor do São Paulo e o torcedor do Corínthians

O torcedor COMUM do São Paulo é um retardado mental. Sabe que o clube é hexacampeão brasileiro, mas só conhece o Rogério Ceni (alguns escrevem Rogério Sene), como eu pude observar - pois sou um Filho da Puta e fiz questão que escrevessem o nome do cara.
Ah, sim, não estou falando de pessoas com problemas de alfabetização, caso tu pense isso. Não, tô falando de torcedor do São Paulo, normalmente mais elitizado.

Um cara que estava gravando aqui no estúdio (trajando abrigo do São Paulo) me viu com a camisa do Internacional e perguntou que time era.

Depois que os amigos dele me garantiram que não se tratava de deboche da parte dele, expliquei:

É a camisa do Internacional, que tu deveria saber, posto que ganhamos uma Libertadores em cima de vocês, na casa de vocês.

A resposta do sujeitinho é assustadora (e só vou citá-la pois os caras que estavam com ele - 2 palmeirenses doentes e 1 corinthiano - me garantiram que a visão de mundo e o conhecimento dele era isso mesmo):

''Que Libertadores? A gente que ganhou o brasileiro contra teu time esse ano! E outro time do Sul ganhou a Taça das Américas ''(sic).

Este é o torcedor-médio do São Paulo.

Aí tem o corinthiano médio.

Bom, este aí é um esteriótipo a parte. Simplesmente NÃO ADIANTA tu tentar explicar qualquer coisa sobre 2005, porque os caras simplesmente NÃO SABEM DO QUE TU TÁ FALANDO. Sério!
Eles acreditam que o Ronaldo foi a maior contratação da história do clube.
Eles acham que são mesmo campeões mundiais (alguns não sabem o que é Libertadores - sério, não é deboche - e não sabem diferenciar Copa do Brasil de Brasileiro).
Uns 3 me perguntaram se tinha CAMPEONATO PAULISTA NO RIO GRANDE DO SUL.
Todos conhecem o Inter e o Grêmio (e até o Juventude) mas pelo menos 20% tem imensa dificuldade para entender que o FIGUEIRENSE NÃO DISPUTA O CAMPEONATO GAÚCHO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

A curiosidade, é que saindo na noite com a camisa do Inter, DIVERSOS torcedores DO CORINTHIANS, vinham me parabenizar pelo título da sulamericana (torcedores mesmo) e dizer que torceram muito pelo Inter porque gostam muito do clube. e tinham certeza de que nós, colorados também torcemos pra eles subirem pra série A.

O que só mostra como algumas pessoas, independente de para quem torçam, ainda têm a inocência que Jesus queria no coração das pessoas.

Achei bonito, até.


Abraço, George.

Maurício
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