Ô povo

Brasil 0 x 0 Argentina. E eu não teria um texto que coubesse tudo o que sinto e percebo com o que circula em relação à Seleção Brasileira. Poderia ser um texto cheio de palavras bagaceiras. Não pelo resultado, nem pelo futebol apresentado. E sim pelo comportamento do brasileiro médio que acompanha futebol.

Eu admito, fico irritado. Assisti a partida, os comentários de antes, os durante e as entrevistas após, ao vivo.

O Brasil é singular. Como já disse Parreira, não é a reação do público, porque o público, no Brasil (talvez em outros lugares também seja assim) é a caixa de ressonância da imprensa. Uma imprensa de baixo nível, ao menos neste caso, e nos veículos que acompanhei. Também acompanhei a entrevista coletiva do Dunga após a partida. Direcionada pelos repórteres (para o ponto desejado) e com todos os clichês de sempre. Os jogadores, com alguma ou outra exceção, bonecos de títeres. Acanhados. Respondendo, ou o óbvio ou caindo em pequenas intrigas em virtude das perguntas (como no caso de Adriano). Cagados.

De sincero, Gilberto, que criticou abertamente a torcida por ter aplaudido Messi. Os críticos desta declaração, dizem que bom futebol se aplaude. Mentira. Futebol do adversário só é aplaudido pela torcida adversária. É bonito, admirável, no discurso, apenas lá, na teoria. Na realidade, o aplauso desta noite era para afrontar a Seleção Brasileira. Não entro no mérito, mas gostei da atitude do Gilberto, de falar, reclamar e apontar a nossa torcida canalha. Tu podes dizer “ah, mas a torcida paga seu ingresso...”....Que não vá! Que fique em casa. Que não pague. Mas este é apenas um parágrafo, de um pequeno capítulo, do enorme livro de vergonha que é a torcida brasileira.

Voltando para a imprensa (sei que é horrível generalizar, e a generalização é traço de ignorância, mas em termos de cobertura da Seleção Brasileira, a generalização não fica tão longe do específico), ela tem problema de longa data com o Dunga. Vem de 1994. O Brasil, com o Dunga como capitão e símbolo, ganhou uma Copa do Mundo num 0 x 0. Nos pênaltis. Isto após Dunga ter sido morto e enterrado como jogador em 1990, pela mesma imprensa. Foi o maior tapa na cara que a imprensa esportiva brasileira tomou, como jamais na história deste país, fazendo uma apologia (analogia) com uma frase do Lula. E isto não foi perdoado e nunca será. Crime gravíssimo. Hediondo.

- Mas Dunga como técnico não é o mesmo Dunga jogador!
Mas tudo é pessoal. Dunga não tem experiência, ok. Dunga é mau técnico, pode ser. Dunga nunca treinou ninguém, ok. Mas Dunga é Dunga. E paga por isto, também, mesmo que seja o melhor técnico.

E basta olhar a TV, ler alguns jornais. O tom é raivoso, claro, a comemoração do Dunga em 1994 foi raivosa. As pessoas mais jovens não sabem, mas até 1994, o Brasil ser campeão do mundo era utopia, para as pessoas da minha geração, que começaram a acompanhar copas entre 82 e 86, mesmo sem entender muito...era utopia. A eliminação dramática era o “normal”, como em 2006.
E Dunga acabou com isto. Pior, Dunga, junto com Parreira, meio que acabou com o mito do “perde bonito” de 1982. Bom, eu e uma galera festejamos, entre eles alguns que odeiam futebol de resultado.

Talvez Dunga precise, de novo, erguer uma taça de verdade, raivosamente. Com um fato deste tipo, o povo acalma e com o povo acalmado, alguns cronistas não tem coragem de escrever contra.

No jogo de domingo, contra o Paraguay, vi uma enorme faixa da torcida deles, que falava sobre o orgulho de ser paraguayo. E assim se comportam os torcedores na América do Sul. Menos no Brasil. A última coisa que existe é orgulho de ser qualquer coisa. Ou odeia-se a Seleção Brasileira por ser mercantil, algo assim, ou também odeia-se a seleção por não estar goleando qualquer adversário por 5 x 0. Acham lindo aplaudir jogador adversário, por ser um exemplo de desportividade, e por outro lado, ironicamente, não têm o menor respeito com qualquer adversário, pois só aceitam goleadas como resultado, mesmo num clássico.

Incrivelmente, o comportamento, dos mesmíssimos torcedores, quando o seu clube joga, é diametralmente oposto. 1 x 0 é festa. Ou alguém aqui questionaria um título mundial do seu clube por ser nos pênaltis? Mas com a “seleça”, não. Tem que ser goleada. Que seja assim, mas não mintam.
Todos torcem mil vezes mais por seus clubes do que pela seleção. E depois admiram esta e aquela torcida de tal país. Pura hipocrisia. Da má torcida, nós fazemos parte.

Ao Brasil, pode faltar alma, mas porque o torcedor brasileiro também não tem. Se dividem entre os que exigem goleada sempre, e entre aqueles que acham que não se deve torcer pela Seleção porque os jogadores só querem isto e aquilo, são mercenários, etc. Bom, se vamos deixar de torcer para um ou outro time por causa do tipo de jogador que veste a camisa, então todos os torcedores já tinham deixado de torcer para sua equipe por vários anos.

Resumindo: o torcedor brasileiro é um bunda-mole. Sem fibra, de uma ou outra maneira. Entreguista, hipócrita e mau-caráter (em termos esportivos). Não vele nada.
E este torcedor é que vaia o Dunga. Mas que não fosse o Dunga. Que fosse qualquer um dos jogadores “mercenários”. Não têm o direito de vaiar os que imprimem um comportamento igualzinho aos deles. Primeiro torçam pelo Brasil, de verdade, depois começarão a ter o direito de criticar.

Não é assim nos clubes?

Por isto ainda gosto de assistir os jogos da seleção em casa, longe de bares e aglomerações, onde vejo pessoas mais velhas, que pouco acompanham escalações, torcendo pelo Brasil, pela simples razão de serem brasileiros, com todas as diferenças que temos dentro do país. Onde se torce pelo gol do Brasil, independente da boleiragem que toma conta da seleção, pois eles nem sabem o que é boleiragem ou selenike. Mas torcem pelo Brasil, simplesmente.

E pro Dunga, eu faço coro que largue. Larga, Dunga. Não há vitória que faça saciar este povo. Porque simplesmente, eles não torcem pelo Brasil. Mas, estranhamente, admiram os povos que torcem fanaticamente pelas suas cores....tipo, faz o que eu admiro, mas nunca faça o que eu faço.

Em noites como a de hoje, lendo e vendo tanta coisa, lembro do gaúcho Chico de Uruguaiana, do expresso da vitória do Vasco, e que foi expulso em 9 dos 10 jogos que disputou contra a Argentina. Que foi agredido covardemente por lá, mas enfrentou. Ele tinha esta rivalidade, por ser da fronteira, por ser gaúcho. Na época dele não tinha Rede Globo, qual será o motivo da rivalidade, então? Nossas semelhanças culturais nunca foram motivos para aplaudir adversário. Chico já sabia disto, e cultivava a guerra futebolística dentro de campo.


Eu não odeio a seleção, ela é reflexo do povo. Eu torço é para que ela mude, mas enquanto isto não acontece, eu vejo na unanimidade o meu inimigo. Por isto, eu odeio é a torcida do Brasil. E como sou do contra, sou cada vez mais torcedor da Seleção Brasileira (não dos jogadores, mas da seleção). Não por goleadas. Vitórias magras já me bastam, igualzinho quando torço pelo meu clube, mas vitórias. E 0 x 0 em clássico, a gente (torcedor de clube) faz assim, lamenta os gols perdidos e pensa : “pelo menos eles não nos ganharam”.

Admito que seja difícil torcer por este Brasil sendo gaúcho, mas é mais difícil ser gaúcho vendo uma torcida de mortos assistindo a Seleção e abandonando sempre. SEMPRE.
Viva Chico!

Sábado

Cheguei tarde no Beira-Rio.

Costumava chegar 2 horas antes dos jogos... agora, com a lei seca, preciso chegar mais cedo ainda. O álcool, pro torcedor, é tão fundamental quanto a própria bola no futebol.

Mesmo que o dia frio estivesse com sol, na minha memória ele me parece meio cinzento. A cerveja descia com dificuldade. Lamentei ter esquecido os cigarros - não compro um maço há meses...

A saudação para os amigos foi quase tímida, se comparada às de outros tempos. A quantidade de cerveja também. O clima estava estranho.

"É foda, tchê..."

Dia atipico mesmo: fomos de superior, só pra variar, após anos indo na popular. Lá dentro, estréia do novo técnico.

"Precisamos ganhar, hoje não tem!"

Primeiro tempo acabou - 2x0, e o Edinho marcou um golaço. Bizarro. "Edinho" e "golaço" na mesma frase? Falei que o clima estava estranho.

Segundo tempo foi retranca. O outro time descontou no final. Bela vitória, com raça e tudo que eu poderia esperar pra deixar meu sábado bacana. Mas não vi muitos sorrisos aquele dia. O jogo, definitivamente, não era o que prendia a atenção de todos.

A notícia da manhã nos pegou de suspresa, e não sabiamos como reagir. "Nem falaram o nome dele no jogo", eu pensei, e a torcida ignorou o fato.

Duas horas após o apito final, os amigos sentados numa mesa de posto bebendo, e um silêncio forte no ar - que não era exatamente falta de assunto, mas a presença intensa do tópico do dia, que quase ninguém comentara.

Talvez a perda tenha sido tão grande que a mente recusou-se a tecer qualquer pensamento, qualquer conclusão definitiva sobre tudo aquilo.

Foi tudo abrupto demais. A chegada e a saída. Os últimos 4 anos, as 6 taças, os gols. O choro que interrompeu a entrevista.

Dois dias depois, ainda não tenho opinião. Não quero fazer um texto de despedida, me nego. No sábado, todos dedicaram a vitória à ele. Enquanto nós, no estádio, cantavamos pelo clube, ele ia sozinho pelo Salgado Filho embarcar pro Oriente, pros petrodólares, em algum país obsoleto, onde as pessoas usam panos na cabeça.

Eles passam, todos passam, e só ficamos nós, o coletivo inexorável que é uma torcida de futebol. Sem ter o que falar e olhando para o céu enquanto um avião passa lá longe, na hora do crepúsculo mais belo do mundo, levando com ele parte da história do futebol gaúcho.

Fico com as memórias, a gratidão genuína, e a certeza de que o nosso Sebastianismo tem fundamento: Ele voltará em breve.
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