O futebol nos trilhos

O Jornal Minuano, de Bagé, através do jornalista Higino Gonçalves, resgata uma história cheia de peculiridade sobre o comportamento de algumas torcidas antigamente. Nos idos dos anos cinqüenta, era bastante comum entre as torcidas do interior do Rio Grande do Sul, viagens de trem para dar seu apoio às equipes da cidade. Eu não sei em que época isto foi diminuindo, mas possivelmente tenha sido simultaneamente com o desmantelamento da RFFSA. Já o número de torcedores que acompanhavam estas tradicionais equipes do interior gaúcho também diminuiu e não só pelo fato do transporte ferroviário ter virado sucata (ou teria relação? Gostaria de pensar que sim, mas ocorreram outros problemas como já escrevemos aqui mesmo).
Eu imagino se hoje houvesse este tipo de costume entre os torcedores do interior, com passagens de trens baratas (em relação ao aluguel de vans e ônibus) e vagões inteiros ocupados por torcedores dos clubes do interior do Estado, dirigindo-se para acompanhar os jogos fora da cidade. O futebol do interior estaria em que patamar? O pior é pensar que esta época já existiu e que havia muita gente que apoiava incondicionalmente o clube da cidade, a despeito da raridade de títulos, desde a década de 40.

Mas era assim no interior gaúcho, principalmente na Metade Sul, naquela época e me pergunto se alguém possui ou tem conhecimento de alguma foto com essa gente, nestas viagens lendárias. Se alguém souber, que entre em contato, seria um belo resgate.

Mas nem tudo eram flores, mesmo naquela época dourada. Às vezes eram pedras.
O Dr. Jesus Ollé Vives, ardoroso torcedor do Bagé e que já ocupou cargos na diretoria jalde-negra inúmeras vezes, guarda um curioso impresso, que circulou nas mãos dos moradores de Livramento e Rivera, à época:

Ao povo de Santana e Rivera:

A torcida rubro-negra convida a população das duas cidades a recepcionar ao famigerado quadro do Grêmio Esportivo Bagé à altura da maneira com que foram tratados os valorosos quartorzeanos quando excursionaram à cidade de Bagé.
Repugna aos nossos foros de cidade civilizada hospedar a horda de bárbaros bajeenses que, num atestado de incultura e vandalismo, traíram as tradições de hospitalidade dos rio-grandenses e, por isso, merecem o desprezo de todos os desportistas desta fronteira.
A torcida rubro-negra previne que assumirá atitudes de represália contra todos aqueles que, de uma forma ou de outra, facilitarem a estadia dos bajeenses em nossa cidade, quer hospedando, dando condição ou tratando com elementos da sua caravana.
Exige o bom nome das nossas cidades que os bajeenses sejam tratados como bárbaros e covardes que são.
Como será um dia de luto aquele em que o barbarismo chegar a nossa cidade, Santana estará vivendo um de seus dias mais tristes quando pisarem em terra santanense os representantes do Grêmio Esportivo Bagé.”


Os grifos no texto acima são meus, obviamente. Ocorre que na época era comum, junto com as excursões de trens, o apedrejamento dos vagões que traziam a torcida visitante, não só em Bagé. Contam também os mais antigos, que as sessões de pedras e brigas, podiam ocorrer em várias estações pelos arredores da cidade, antes do trem estar definitivamente a uma distância segura ou desestimulante.

Não sei o que houve com a torcida no jogo da volta, na matéria que conta sobre esta história não há relatos sobre, mas os jogos foram em 1951, 2 x 2 em Bagé, e 3 x 3 em Livramento, apesar do clima de guerra o Bagé não se intimidou. Pode-se notar que este artifício já é utilizado há bastante tempo no futebol e, assim também como hoje, nem sempre dá resultado em campo. O Bagé acabou eliminado da competição mais tarde, em Rio Grande, perdendo para o “vovô” por 6 x 0. E mesmo abaixo de pedradas e brigas, o futebol do interior era bem mais pujante no Rio Grande do Sul dos anos 40, e hoje sem pedras mas (perdoem o trocadilho óbvio) sob escombros.





Matéria via
Jornal Minuano (Bagé-RS).
Fotos:
http://www.estacoesferroviarias.com.br/ (na primeira, a Estação Central de Bagé nos anos 30 e na segunda nos dias atuais, agora funcionando como sede da Prefeitura Municipal).

Pura Imagem

Coloquei algumas imagens aí do lado, randômicas.
Conforme for, vou adicionando outras.
Pena que não se pode colocar trilha sonor, ficaria muito pesado (aliás, este blog está com muitas "pop ups", a maioria das quais não sei a procedência. Mas vamos resolver isto).
De qualquer maneira, aqui está a trilha sonora (indicada) para assistir às "puras imagens":
http://www.sombreroluminoso.com.br/mp3/paraguay.mp3

Desfrutem.
Logo mais tem postagem, espero.

Camisa 10 *

* Por Maurício Kehrwald

Sabem como é, aquela coisa de histórias em família.

Só que no caso do Paulo, já não era mais só história: havia tomado o statusde lenda. E, como de praxe nestes casos, ganhava proporções maiores a cada atualização ou novo relato.

Tudo corria dentro da normalidade, até que o Pedrinho, filho do Paulo,começou a crescer.

E a se interessar pelas histórias sobre o pai.


- Teu pai jogava muito, guri...

- Muito?

- Muito!

- Em qual posição ele jogava?

- Camisa 10, meia-atacante!

- Nossa...


Na escola, durante o recreio, resolveu passar adiante uma das histórias queo tio lhe contara. Encostou no Sardinha, seu colega de sala e doente por futebol:

- Ô, Sardinha, sabia que meu pai foi meia-atacante?

- E ele era bom?

- Muito! Camisa 10. Artilheiro...

- É? E em qual time ele jogou?

- Não sei!

- Como não sabe?

Não sabia. Esquecera de perguntar este detalhe para o tio.Decidiu descobrir direto na fonte.

- Paiê, em qual time tu jogavas?

- Vários times, filho! – respondeu enquanto largava o jornal

- Algum time bom?

- Claro, filho! Joguei no São Paulo, no Inter, e...

- No São Paulo?! No Inter?!

- Er... não, filho... no São Paulo de Rio Grande e no Inter de Santa Maria,que são times muito tradicionais e importantes do futebol gaúcho...

- Ah... mas ganhou algum campeonato?

- Alguns, filho... sendo que os mais importantes foram os dois títulos consecutivos do interior...

- Como assim, título do interior? Que campeonato é esse?

- Na verdade é como chamavam na época quem chegava logo atrás de Grêmio e Inter ao final do Campeonato Gaúcho...

- Ah, entendi...

- Entendeu, filhão?

- Entendi. Os teus maiores títulos foram dois terceiros lugares no Gauchão.

- (...)

- Pai?


Nessa hora, o Paulo, que apesar de paciente também tinha limites, estavalouco pra enfiar a mão no guri. Mas teve calma e prosseguiu.

- Eram outros tempos... tu nem eras nascido ainda, e... anh... bem...

Nessa hora a melhor coisa a se fazer é, claro, mudar de assunto. Mas não foi, mais claro ainda, o que o Paulo fez.

- ...eu também fui artilheiro do Carioca em 82, quando o Flamengo comprou o meu passe.

- Flamengo? Verdade, pai?

- Aham...

Afinal, se é pra mentir, que se minta bem!

- Oba! Vou contar isso pro Sardinha.

- Vai lá...

- Demais! Ele é fã de futebol e herdou um montão de revistas do pai dele.Com certeza tem o teu nome lá, em alguma delas...


Foi aí que o Paulo percebeu a bobagem que fizera. Seria desmascarado.Brutalmente desmascarado.Haveria de carregar aquele opróbrio como um pesadíssimo fardo, às costas,até o derradeiro dia de sua passagem por este plano. Precisava consertaraquilo, e ligeiro.

- Ei, filho, espera... tu precisas mesmo contar isso pro teu colega?

- Claro, pai... me orgulho de ti... mas... é verdade isso mesmo, né?

- Claro, claro... só avisa ao Tainha...

- Sardinha, pai.

- Isso. Diga ao Sardinha pra procurar o artilheiro daquele campeonato pelo meu apelido da época. Pelo meu nome ele não vai achar.

- Apelido?

- Isso, filhão! – suando muito, mas muito frio

- Tá, e qual é o apelido, pai? Espero que não seja complicado... eu ainda não conheço quase nada de futebol, sabe...

- Zico!


A mãe do Pedrinho, indignada, teve que trocar o filho de escola. Nosso meia-atacante camisa 10 dormiu no sofá por 5 semanas consecutivas e a criança, passados 10 anos – hoje com 18 – ainda não voltou a falar com o pai sem ser por monossílabos.Ah, sim, o tio do Paulinho é considerado persona non grata na casa.
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