A Estética do Frio e o Futebol

Chega o frio ao Rio Grande do Sul, ainda que tímido se comparado aos meses de junho, julho e agosto, neste final de abril.

Mas já relembra os invernos rigorosos que acontecem por aqui. Finais de Gauchão, como a de hoje, nos meados dos anos 80 eram sempre abaixo de frio, nariz vermelho congelando, assim como os dedos, pôr-do-sol cedinho, e o sereno prenunciado a geada da noite, gelando a cabeça na arquibancada. No interior também era assim (algumas vezes ainda é, não raro), e até mais. Bergamotas vendidas em embalagens que eram uma tela laranja, onde eram depositadas as cascas,ingenuamente (se comparado a hoje) arremessadas dentro dos campos, em protestos contra bandeirinhas (as pessoas que mais sofriam e sofrem nos campos do interior gaúcho, dada a proximidade da tela e arquibancada). Arquibancada úmida e gelada. Nas localizadas ao sul do estádio, limo. Pés congelados.

As batalhas daqueles jogos pareciam ainda mais heróicas, em virtude deste fator, e ainda a infância.
Agora o Gauchão termina mais cedo, decorrência do calendário, mas hoje deu para dar uma relembrada daqueles campeonatos terminados em junho, julho ou agosto.

Mas um debate ocorre também em relação ao frio e o futebol: equipes oriundas de regiões mais frias tendem a ter um estilo de jogo mais ríspido, marcado, pegado, etc, em decorrência das temperaturas mais baixas. Seria uma defesa natural do jogador, que para se aquecer e manter-se assim, necessita correr mais, usar mais energia e por aí vai. Alguns discordam, outros concordam. Mas empiricamente podemos observar algum fundamento neste tipo de observação. E claro, há as exceções, em equipes de qualquer local.

E é indissociável, pelo menos para mim, final de Gauchão e o frio, ainda que sejam realizadas em meses de temperaturas mais amenas, ainda que exista o agora famoso aquecimento global, entre tantos outros fatores que alteram a percepção das finais de hoje e as de antigamente, além dos climáticos.

São detalhes, que só não são desprezíveis no sentido do futebol dentro das quatro linhas, porque por menor que seja a influência, ela aparece dentro do campo, como citado acima: mais marcação, mais "correria", e acabo concordando com este pensamento.
Mas o que acontece em torno de um jogo, final de campeonato, que ocorre no frio, também chama a atenção.
A torcida, vista de longe, aparece toda encasacada, predominando o preto na vestimenta, e com as cores do clube aparecendo entre as jaquetas abertas. Isto quando não chove, surgindo centenas de guarda-chuvas deixando as arquibancadas ainda mais escuras (isto no tempo em que guarda-chuva era apenas para proteger da chuva realmente, e podiam circular livremente nos estádios).

Enfim, um cenário diferente, goste do inverno ou não. E com a cara de Gauchão. De futebol gaúcho.
Mas a pergunta que fica é que se existe uma estética do futebol gaúcho que é baseada no (também) frio?

Pode-se afirmar que há uma maneira diferente de jogar e de enxergar o futebol em virtude do frio?
O assunto é tênue e difícil de ser mensurado.
E com a chegada do frio, das finais do Gauchão (este ano fugindo da "estética Gre-Nal"), lembrei da "A Estética do Frio" do escritor e músico Vitor Ramil, que não fala sobre futebol, mas consegue exprimir bem melhor, um pouco desta maneira diferente de ver as coisas, passando por esta questão que poderia ser meramente climática.

Mas, enfim, a verdade é que lembrei do inverno hoje, de Bagé, da Satolep do Ramil e hoje também minha, e destas coisas do sul.
Apreciem o texto abaixo, que vai bem além do futebol, vale a leitura.


"Outro Junho*
*De Vitor Ramil

Estou em outro junho. Estou no meu apartamento em Copacabana, Rio de Janeiro, de calção e chinelos, assistindo ao Jornal Nacional na TV. Assisto uma matéria sobre uma festa popular na Bahia. As imagens: um trio elétrico sobre um caminhão arrastando milhares de pessoas seminuas, pulando, suando, bebendo e cantando sob um céu furioso. Não consigo me imaginar atrás daquele trio elétrico. Não consigo me sentir próximo do espírito daquela festa, embora esteja igualmente seminú e com calor e a notícia seja apresentada num tom de absoluta normalidade, como se aquilo fizesse parte do meu dia-a-dia. Assisto a seguir uma matéria sobre a chegada do frio no sul. Vejo o Rio Grande do Sul. Vejo os campos cobertos pela geada na luz branca da manhã, vejo crianças escrevendo com o dedo nos vidros dos carros, vejo homens de pala andando de bicicleta, vejo águas congeladas, vejo gente esfregando as mãos, gente de nariz vermelho, vejo a espectativa de neve na serra, vejo o chimarrão fumegando. Seminu e com calor reconheço imediatamente aquele universo como meu. Mas as imagens são apresentadas num tom de anormalidade, de curiosidade, de quase incredulidade, como se estivessem chegando de outro país -fala-se em "clima europeu"-, o que faz com que eu me sinta estranhamente isolado, mais do que fisicamente distante. Tenho a incômoda sensação de estar no exílio e ver, ao mesmo tempo, o Rio Grande do Sul de perto, por dentro e além das imagens. Percebo então o quanto me sinto separado do Brasil.
Mais que isso, percebo o quanto o gaúcho se sente e o quanto realmente está separado o Brasil. Constato que o obscuro sentimento que nutrimos de não ser ou não querer ser brasileiros tem alcance muito maior que o de mera curiosidade histórica ou de motivos de piadas entre nós. E não preciso avançar até os casos isolados em que este é um assunto ideológico. Só o fato de um sentimento estar assim latente no espírito do gaúcho já é o suficiente para que se estabeleça separação e distância. Acreditar não ser ou não querer ser brasileiro e ao mesmo tempo saber que, mais do que fisicamente ligado ao Brasil, ele é irreversivelmente brasileiro – porque no fundo sabe que esta separação é impossível –, deixa o gaúcho num misto de frustração e impotência que o leva, inevitavelmente, a ter que administrar um sentimento de inferioridade. Uma simples manobra de compensação – uma manobra de sobrevivência – basta para que este sentimento de inferioridade transforme-se em sentimento de superioridade. E pronto. O gaúcho se sente superior ao brasileiro. Separação e distância.
O afastamento – ou inconsciente ou ideológico – do Rio Grande do Sul, torna-o o lugar do Brasil que mais facilmente pode ser definido em duas ou três idéias redutoras, enquanto suas sutilezas de estilo parecem insondáveis.
O gaúcho acaba tendo uma visão caricata de si próprio, a partir da visão superficial que o Brasil tem dele e que ele, como brasileiro, compartilha e assume. O deslocado gaúcho tende sempre a encarnar a personagem "gaúcho" quando se comunica com o Brasil. Do outro lado, os brasileiros tendem sempre a tratar o gaúcho como uma personagem. Numa visão geral, digamos a partir do centro do País, qualquer povo em qualquer região tem sempre suas peculiaridades transformadas em clichês, mas aparece antes de tudo como brasileiro. O gaúcho parece ter antes de tudo seus clichês, depois ser brasileiro. O Brasil o vê lá longe, isolado, e só pode enxergar o que nele é gritante, só as diferenças que saltam aos olhos. E o gaúcho faz que sim.
Assistindo ao Jornal Nacional me dei conta de que acima dos clichês comumente usados para nos definir, acima de toda e qualquer idéia redutora – que representam sempre pequenos recortes, fragmentos da nossa realidade –; que acima também das nossas sutilezas de estilo, estava a diferença fundamental entre o Sul e o resto do Brasil – como símbolo não redutor, primeiro e inquestionável, abrangendo todos os outros –: o frio. Vi que o Rio Grande do Sul simbolizava o frio no Brasil – a chegada do frio no Sul, mesmo com aquele ar "acredite se quiser", está anualmente na pauta da mídia nacional. E me dei conta de que o frio simbolizava o Rio Grande do Sul. Passei a ver o frio como metáfora amplamente definidora do gaúcho.
Esta idéia foi-se enchendo de sentido na medida em que, morando no Rio de Janeiro e viajando constantemente pelo Brasil, passei a sentir o clima tropical – a regularidade de um clima de mudanças tão discretas entre as estações; o calor; a presença constante e vital do sol, do mar e dos rios – como um grande pano de fundo onde se repetiam certas características que pareciam unificar o modo de ser dos brasileiros em sua diversidade. Deparei-me em muitos lugares – e lugares distantes entre si – com um mundo de valores, de hábitos, de gostos e anseios compartilhados que para mim não tinham a mesma significação. Mais objetivamente, vivenciei a expansividade, o excesso, o emocional, o gosto pelas ruas, pela diversão, pela alegria, pelo culto ao corpo, pela dança, pelo ritmo, pelo colorido, pela espontaneidade, pelo caos, pelo múltiplo, pelo variado, pelo eclético, etc. Vivenciei tudo isso e muito mais, sempre sob aquele amarelo forte, aquele quase tom laranja da luz do dia. Foi quando comecei a entender melhor o esforço dos românticos, a atitude dos modernistas, a postura dos tropicalistas. E foi quando não entendi e não aceitei a nossa distância "fria". Eu confirmara que a riqueza cultural do Brasil residia na sua diversidade e, claro, o Rio Grande do Sul já tinha nisso a sua contribuição. E depois, ao encontrar para cada característica comum dos "brasileiros" uma contrapartida na minha maneira de ser, nos meus hábitos de "homem que veio do frio", me perguntei como era possível que se visse nisso um sinal de incompatibilidade e não o sinal de que uma estreita colaboração entre os dois "estilos" abriria uma perspectiva humana e criativa infinitamente rica de possibilidades.
Até quando essa dieta de brasilidade que nós gaúchos nos impomos? Aonde isso nos levará? E até quando essa dieta gaúcha que impomos ao Brasil, reduzindo-nos numa estreita e auto-indulgente visão caricata de nós mesmos e do nosso mundo? Por que uma comunicação natural e direta com o resto do país deve ser tão complicada e escassa? Por que não soar "normal" se somos brasileiros, se estamos fisicamente ligados ao Brasil, se fazemos parte da cultura nacional? Será que estamos fadados a que toda e qualquer expressão nossa soe sempre "folclórica"? Não iremos jamais compartilhar, contribuir regularmente, acrescentar de forma natural e efetiva com o país?
(...)



Vitor Ramil


Trecho de ensaio publicado no livro Nós, os gaúchos, Editora da UFRGS, 1992, retirado do site http://minerva.ufpel.edu.br/~ramil/vitor/estfrio.htm .
Recomendo a leitura completa.


Off: recomendo também, pra quem não conhece, conhecer a obra musical de Vitor Ramil. Excelente, tanto as letras como as músicas.

Foto: arquivo do Jornal Minuano (Bagé-RS). Esta foto é na Praça da Estação, em Bagé, e não é "coincidentemente", pois o nome é em virtude da antiga estação ferroviária que existia por lá, e atualmente é a sede da Prefeitura Municipal (ao fundo da foto).


Chimarrão


Por: Maurício Kehrwald

Hoje é o Dia do Chimarrão. Não tinha como não postar nada sobre o assunto.

Sei. Chimarrão não necessariamente está ligado ao futebolismo em sua essência, mas não poderíamos deixar de prestar esta homenagem a um dos expoentes máximos da cultura de um povo. O povo de Daison Pontes, por supuesto!

Gracias y hasta luego!


O ato de tomar chimarrão é algo complexo.

Não pense você que socar erva mate cuia adentro, fixar a bomba e depois encher d’água pelando é fazer chimarrão. De forma alguma! Não só não é, como conheço gente que pelaria o lombo de quem o dissesse.
Sorver o mate requer um ritual de preparação, que não necessariamente obedece a um padrão e/ou ordem específicos.

Conheço casos de personas que acordam antes do sol exsurgir, enchem a chaleira, colocam-na ao fogo alto e, enquanto esperam a água chiar, cevam o mate com cirúrgico capricho, sem esquecer, claro, de dar a cuspida do primeiro mate frio no chão. Mesmo estando em uma cozinha de apartamento.


Há aqueles, mais campeiros - porém não muito - que acordam cedo, machado em punho, semblante lenhadoril e botina sete léguas. Estes caminham floresta adentro (usualmente é um matagal tosco) e cortam a própria lenha. Carregam-na até em casa, colocam no forno à lenha, para, aí sim, dar-se início ao processo.

E, finalmente, cito aquela casta mais ortodoxa, que considera hortelã no mate coisa de fresco. Para estes, água de chimarrão tem que estar fervendo, pelo menos. E quem passar a cuia com a mão direita toma pranchaço de facão na cara.

Evidentemente, não só de subjetividades no ato de prepará-lo vive a tradição. Inclusive tenho um amigo, colorado doente, que não toma chimarrão em cuia com o símbolo do Grêmio e exige ver o pacote da erva, pois “nunca se sabe”.
Muitos são os hábitos dos que sorvem o mate amargo.

Mas poucos são os que cultuam a prática com tamanho fervor quanto o Cunha o fez.
A história do Cunha é mais ou menos assim: depois de 30 anos trabalhando como funcionário público - deixou de levar o mate somente uma única vez, quando sua mulher faleceu e ele esqueceu a cuia no velório - aposentou-se e comprou uma propriedade rural, onde passava os dias tomando mate fervendo e atirando em qualquer coisa provida de vida que lhe cruzasse a vista. Anos depois, quando acometido de um câncer na garganta, já agonizante em seu derradeiro leito, ainda pediu para um filho seu:

- Tonico, me traga um amargo bem quente.
- Mas e tua garganta, pai?
- Vou matar o bicho escaldado!


foto: www.comqueroupa.blogspot.com


O sujeito da foto é Rafael di Zeo, líder da barra-brava do Boca Juniors. Coloquei esta foto de rosto, quase uma 3 x 4, porque ao se falar em chefe de torcida, muitos imaginam uma pessoa com menos anos de idade. Di Zeo já vê a "geada branqueando o cerro" de sua cabeça.

Em várias postagens aqui do blog foi retratado como funcionam as barras, e vão muito além de uma torcida comum, para o bem ou para o mal. Há casos de violência (corriqueiros), acusações de extorsão, e inclusive certa e relativa gerência sobre as coisas do clube.

Mas acabei achando um vídeo, uma espécie de documentário, feito num dia de "superclássico" na Argentina.
Neste vídeo aparece Di Zeo em dia de jogo, o jogo era no Monumental de Nuñez (estádio do rival River Plate) e mostra desde a "organização" para tomarem os ônibus ( os micros ), entrada no estádio, até a volta para a Boca.

Nada de impressionante, mas a trabalheira que tem Di Zeo para organizar a coisa toda chama a atenção. Ele é acusado de receber muita grana por estar chefiando a barra do clube mais popular da Argentina, e a acusação é recorrente a todos os cappos de torcidas argentinas. Dizem que vivem disto. Não posso opinar sobre o que não conheço, mas o trabalho dele é digno de um gerente de uma empresa. Chama a atenção, no início do vídeo, os métodos utilizados por Di Zeo para fazer cumprir o cronograma (observem como ele "organiza" a entrada nos ônibus...mais para o final do vídeo ele explica que é normal, pois pedindo educadamente ninguém dá atenção). Tudo passa por ele, desde a entrada nos micros, a entrada no estádio, as tratativas com a polícia, a entrada de instrumentos, a próxima música que será cantada e até a distribuição de refrigerante no intervalo.

Também não é novidade a grande influência que têm estes chefes de torcida na Argentina.
Como exemplo disto, nestes dias Rafael Di Zeo está preso, com alguns membros de La 12. E hoje, para terem uma idéia, recebeu a visita de três jogadores do Boca: Palermo, Palacio e Migliore.

A visita causou espécie no presídio, inclusive com carcereiros pedindo autógrafos para as estrelas do Boca.
Di Zeo foi presenteado com roupas e sapatos de uma "marca famosa", segundo o Diário Olé, e abriu-se até uma exceção, pois quinta-feira não é o dia convencionado para a visitação.

Isto mostra a influência do chefe da barra do Boca. Influência que parece não irá acabar tão cedo. E de tudo que possa se falar de Di Zeo, ninguém pode negar a habilidade em lidar com a imprensa, de certa forma carismático.

Outro destaque do vídeo é a narração do segundo gol do River, muito boa.

De qualquer maneira, independente de opiniões, a música, o ambiente, tudo...é muito interessante. O futebol é inexplicável.



Mas assistam ao vídeo, alguns talvez já tenham visto, já que não é novo, mas é muito peculiar.


Foto: www.26noticias.com.ar
Matéria da visita à cadeia: Diário Olé
Vídeo: se alguém souber a autoria (fala, Maxi!), poste nos comentários.

Paixões

O homem heterossexual brasileiro médio é basicamente movido por três grandes paixões: mulher, cerveja e futebol.

Considero este raciocínio verdadeiro e praticamente irretorquível. Faço um adendo, porém: das três paixões mencionadas, há aquela que se destaca, sobranceira e impreterível.
Vamos às disposições:

Disposição primeira: das evidências

Eu – e você, creio – podemos até não beber esta ou aquela cerveja. E há mulheres que não nos atraem, por este ou aquele motivo.
Eu nunca recuso convite pra uma pelada e considero, por exemplo, uma partida entre Caxias e 15 de Campo Bom indiscutivelmente o melhor programa para um Domingo.

Não nascemos a sentir vertigens pelo sexo oposto, tampouco viemos sedentos ao mundo e a reclamar malte liquefeito. Nascemos – e crescemos – com uma bola (ou equivalente) nos pés.

Seu pai – em alguns casos substituir por avô, mãe ou familiar equivalente – não lhe presenteou com uma revista de mulher pelada quando você nasceu. Seu pai não lhe pagou um engradado de geladas quando em razão de seu primeiro urro vital. Você ganhou uma bola.
Ganhou-a e chutou-a com ímpar contentamento e inexplicável paixão. Você amou sua pelota e sorriu de encantamento mesmo quando jogava com algo geóide de plástico ou de meia. Suspirou do mesmo jeito que suspira e fica todo ouriçado, ainda hoje, a cada vez em que se depara com um rachão (ou pelada ou bate-bola) no meio da rua.

Aposto que você tem de se controlar muito pra não interagir com o garotinho vindo, a chutar bola em sua direção, pela calçada e em companhia paterna.
Claro que se o infante tentar driblá-lo você terá, irremediavelmente, que dar-lhe um carrinho. Depois, justificará ao pai do menino:

- Foi na bola, foi na bola, pô!

Futebol é assim, apaixonante e irresistível. Você suporta 20 anos de decepções e maus tratos por parte do seu time, coisa que – salvo em casos muito específicos – jamais agüentaria numa relação homem-mulher. Este ano seu time ficou na fila, de novo.
Você não quer mais saber.

- Vou largar de mão toda esta merda!
- Qual merda?
- Futebol!
- Duvido! Mais fácil você me largar.
- Muito te enganas... muito te enganas...
- Mesmo? Quer dizer que...
- Psiu! Quieta! O Denardin vai falar sobre o novo reforço argentino...

Você não beberia uma Kaiser quente num calor de 35 graus. Você não teria relações íntimas com uma mulher velha e feia...
No entanto eu não tenho dúvidas de que você jogaria uma pelada na praia, sob o mesmo calor de 35 graus, com uma bola feia e velha, num gramado esburacado – ou na areia fofa e quente à beira-mar.


Não seja hipócrita: você ama o futebol acima de todas as outras paixões. Tu idolatras o onze contra onze incondicionalmente. Não importa o quanto ele te decepcione. Não interessa o quanto você seja ruim.
E o pior: no futebol, parece que, quanto pior joga o sujeito, mais ele quer jogar.



Disposição segunda: das comparações absurdas

Você lembra o nome de todos os atletas que seu time contratou para disputar o regional de 2001, mas não recordar o nome de todas as gurias – ou mulheres - que conheceu naquele mesmo ano.
Você parou de beber. Você pediu o divórcio. Sua namorada lhe trocou por outro... mas sua paixão clubista permanece inalterada, intocada e soberana.

Qual é a marca da primeira cerveja que você tomou escondido, ainda na pré-adolescência?
Qual é o nome daquela menina – ou professora – por quem você foi apaixonado quando tinha 6, 7 ou 8 anos?

Não lembra?

Qual é o nome do jogador que fez você torcer – ou ficar ainda mais apaixonado – pelo seu time?

Eu sei que você está já começando a concordar comigo.



Disposição terceira: do confronto direto

Afim de, digamos assim, ilustrar como o futebol é a maior entre as três paixões em questão, vamos aos embates, todos contra todos. Contendas sem returno.


Cerveja x Mulher

Você, machista inveterado, nunca come mulher pra ter coragem de tentar beber cerveja. Creio que nada mais precisa ser dito. Você precisa de ambos.

Futebol x Cerveja

Exceto pra quem joga – casos isolados não contam – cerveja e futebol andam lado a lado. O futebol ainda tem a vantagem de levá-lo, sem muitos protestos da sua mulher, a um bar, em plena quarta-feira à noite.

Mulher x Futebol

O futebol nunca lhe proibiu de interagir com sua mulher.

Segundo o sistema de pontuação da FIFA, teríamos:

Futebol: 6 pontos
Mulher: 1 ponto
Cerveja: 1 ponto

Vitória esmagadora, mas, claro, deixo algumas observações importantes para dar valor aos adversários

Observações importantes para dar valor aos adversários:

Ao dobrar a esquina dos 50 pros 60, você certamente poderá tomar seus goles, de quando em vez.
Com o advento do Viagra, sexo – mesmo que pago – também lhe será lícito.

Por outro lado, estarei a lhe esperar com uma bomba de oxigênio quando você cambalear, exausto, depois de, aos 2 minutos de jogo, driblar dois zagueiros e chutar grosseiramente para fora.

Por Maurício Kehrwald
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Foto: Óscar Giorgi (via busca de imagens do Google, publicada originalmente no site ofoco.natalrn.net)

Estádios Singulares

Nas duas postagens mais recentes do Puro Futebol, Túlio e Maurício falavam um pouco sobre estádios. Aproveito o mote desta semana.

Sou de uma cidade que tem como particularidade um futebol de várzea muito pujante. Historicamente em Bagé, o futebol de várzea atrai muitos times e jogadores. Para terem uma idéia, em Bagé há a Taça de Ouro, Taça de Prata e Taça de Bronze. Todas as 3 com 20 times. E tudo levado muito a sério. Há contratação de jogadores e treinadores, com várias moedas de troca, e inclusive torcida, além dos familiares dos jogadores. Uma das demonstrações de força do público destas equipes, é que quando há jogos profissionais importantes em Bagé, negociam com a Prefeitura e clubes amadores, a transferência da rodada do amador, para que mais gente compareça ao estádio.

No que tange ao pitoresco (poderia dizer folclórico, mas é realidade) muita coisa já aconteceu nos gramados de Bagé, e eu não seria o melhor relator dos eventos, já que pouco acompanhei o futebol amador da cidade, a despeito de meu pai ter sido treinador de algumas equipes tradicionais dos certames varzeanos. Mas há histórias sensacionais. Se algum dia recuperar alguma delas, escreverei por aqui.

E a maioria destes times, representa bairros e vilas. Em Bagé há o segundo maior ginásio do Estado, o "Militão", e ao redor do estádio existe um complexo de campos de futebol (6 ou 7 campos com medidas oficiais), administrado pela prefeitura. A infra-estrutura é boa e lá são realizados muitos dos jogos amadores. Mas vários destes times também tem seu próprio "campo". E alguns têm peculiaridades incríveis. Cito apenas dois porque são os que estão mais vivos na memória: o do Unidos (meu pai treinou este time) e um na Vila Ipiranga, que não lembro que time (ou times) o utiliza.

No campo do Unidos, há uma "caída" para uma das metas. Melhor explicando, o campo tem uma inclinação de uns 30 graus...espero não estar exagerando para menos. Imaginem as inúmeras alternativas de estratégia que este fato oferece. Se atacares "na subida" no primeiro tempo, melhor deixar os jogadores mais desgastados entrar na segunda etapa.... Ou numa cobrança de falta: o jogador que bate com qualidade, mas tem menos força, bate as faltas quando forem contra a goleira da "baixada", por exemplo.

No campo da Vila Ipiranga, não precisa explicar muito: uma linha de trem era praticamente a demarcação da linha de meio campo. Imaginem o esforço dos jogadores para transpor o obstáculo, e as estratégias que a partir desta presença no gramado eram definidas.

Apesar destas dificuldades, os times amadores sobrevivem, e em todos finais de semana estão nas canchas espalhadas pela cidade, trazendo entretenimento e uma alternativa barata de diversão, que inclusive o participante pode ser protagonista. Este é um dos segredos do sucesso do futebol: tirando extremos, um campo é um campo em qualquer lugar do mundo (as medidas são flexíveis, inclusive), uma trave é fácil de fazer, as linhas são demarcadas com cal, etc. Na verdade, o maior problema mesmo, e que difere um campo de outro é o que está na volta, o que chamamos de estádio. Mas a grosso modo, futebol se joga em praticamente qualquer lugar, e o melhor: dentro das regras oficiais. Por isso a FIFA é tão relutante a certas mudanças (que incluiriam a necessidade de equipamentos eletrônicos, principalmente).

Pois a Federação Gaúcha de Futebol, a partir de 2009, vai exigir dos clubes participantes da Série A do Gauchão, estádios com iluminação artificial e capacidade mínima de 5000 torcedores.
Por um lado (o racional) entendo e apoio a medida. Porque se num primeiro momento isto impede alguns times de participarem, logo adiante todos estarão cumprindo esta exigência, as comunidades se mobilizarão ,tenho certeza e teremos melhores estádios.
Por outro lado, estarão mudando para sempre certas características do futebol do interior e do futebol gaúcho. Além do futebol enérgico, o interior com seus campos singulares sempre foram motivo de dificuldades, e neste sentido fazem parte da estética do Gauchão. Não que mudarão muito, mas já serão diferentes.

Futuramente a medida será saudável para todos os times, é claro, mas já registro a nostalgia dos velhos campos de guerra do interior.

Na foto, o estádio do Rampla Juniors (Montevidéu, Uruguai) que tem como peculiaridade ser contornado pelo Rio da Prata. Então quando a bola é chutada para fora dos domínios do estádio em direção ao rio, já há um bote com a missão de "pescar" a bola. Sensacional.
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