Ainda sobre o estilo gaúcho

A discussão é inesgotável. E aproveitando que estamos na Semana Farroupilha, voltamos ao tema: o estilo gaúcho de jogar futebol, ou ainda, se existe um estilo gaúcho.

Na quarta-feira desta semana, David Coimbra escreveu na Zero Hora a respeito de Oswaldo Rolla (Foguinho), que segundo Coimbra, foi “ quem instituiu o chamado futebol-força no Estado”.

Na sexta-feira, Luís Felipe dos Santos, do Impedimento, fez uma réplica ao texto publicado na Zero Hora. Para Luís Felipe, a pegada gaúcha foi ensinada por Vicente Feola: “Vicente Feola estava aí, nos ensinando como ter “pegada” e “garra” desde 1958. Demoramos quase vinte anos para aprender.”.

Recomendo que leiam os dois textos acima, porque são textos muito bons, mas também para que não fiquem fora de contexto, as frases retiradas dos dois artigos, utilizadas no trecho anterior.

Como dar pitaco é grátis, vamos lá.

No início dos anos 2000, o escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo já perguntava, também através da Zero Hora, meio que duvidando, de onde viria esta “receita” que tornaria o estilo gaúcho algo tangível. Uma idiossincrasia regional ou mito? Veríssimo sutilmente ironizava, perguntando se esse traço se dava através do hábito do chimarrão, já que naquela época, assim como hoje, a maioria dos jogadores da dupla Gre-Nal era nascida em outras querências.

Neste tipo de discussão surgem alguns vícios de origem, como diria algum bacharel recém-formado.

O primeiro é que, da mesma forma quando algum gaúcho aborda o separatismo, de maneira infundada ou não, ocorre que para o interlocutor, soa como uma espécie de acusação: se “eles” pregam secessão, logo, nos consideram inferiores. Mas o contrário poderia ser real também, dependendo do ponto de vista. Entretanto, normalmente soa como soberba mesmo, e daí os vários desdobramentos.

O segundo diz respeito a uma figura de humor, mas de traço ideológico, que é considerada um sinal de inteligência, que é a auto-depreciação. Que de maneira quase inversa, torna qualquer tipo de ‘’defesa’’ de uma identidade, seja qual for (e mesmo no futebol), um bairrismo simplório, fora acusações mais sérias, que remetem, também, à ideologias. Se não te deprecias, bom sujeito não és...(ainda mais sendo gaúcho).

O terceiro, e não menos importante, refere-se ao ‘’pai da criança’’. Para quem considera o futebol-força uma “brucutulidade” hedionda, então os inventores desta aberração residem bem longe da casa dele.
Já para os que pensam que o futebol-força, de resultado, etc, seja a essência do futebol, então estes dirão: - surgiu, na verdade, no pátio da casa do meu avô, num gol a gol em 1922.

A discussão é infindável também por isto: carência de boas fontes, total ausência de vídeos e, hoje em dia, nem testemunhas oculares temos daquele princípio de futebol.
Como podemos saber, se um repórter do Correio do Povo, de Porto Alegre, ao reportar uma partida como “normal”, na verdade não presenciou um jogo de alta rispidez? Para ele, normal, mas para nós, com a visão de hoje, poderia ser extremamente futebol-força, ou futebol-arte, ou nem futebol.

A respeito dos vídeos, muito poderiam elucidar. Mas normalmente servem para confundir, pois são poucos, mas utilizados como prova cabal (até por sua raridade). Eu não acredito, ao menos até agora, que um Brasil x Suécia, em 1958, fosse mais ríspido do que qualquer jogo do Gauchão no mesmo ano, por exemplo. E nem falo de esquema tático. Mas não imagino um jogo de tal pompa, tendo as mesmas características de um jogo de Gauchão, mesmo em 1958. É algo como imaginar um Brasil x França nos dias atuais, disputado da mesma maneira que um Bra-Pel ou Ba-Gua. Inimaginável. Por que na metade do século passado seria diferente? Na falta de prova mais substancial, fico com a comparação atual, mesmo sabendo que os jogadores hoje em dia, estão muito mais vigiados em termos disciplinares, fator que reduz a força empregada, inclusive nas jogadas consideradas “limpas”.

Sobre o Foguinho ter iniciado o ‘’futebol de resultados” por aqui, também tenho minhas dúvidas, como todos que não presenciaram os acontecimentos naquela época deveriam ter.
Foguinho, como jogador, enfrentou equipes do Interior do RS que faziam frente a Grêmio e Inter (Foguinho nasceu em 1909). Enfrentou times da fronteira, que eram considerados bons tecnicamente (segundo relatos, óbvio), mas que já eram chamados de “times aplicados”. O futebol começou no RS trazido por ingleses em Rio Grande, e na fronteira quem nos apresentou à pelota foram uruguaios e argentinos (Santana do Livramento, Uruguaiana e Bagé), e muitos deles tornaram-se jogadores dos times daqui. Essa influência é inegável. O que pode-se discutir é que tipo de legado deixaram: “arte” ou “força”, ou o nome que quiserem dar.

Fato é que, Inter e Grêmio tiveram como primeiros adversários, fora de Porto Alegre, estes times do interior gaúcho.
E é fato também que, geograficamente e em termos de números absolutos de torcedores e população, Grêmio e Inter não deveriam ter conquistado tantos títulos fora do Estado como conquistaram, isto baseando-se na observação de outras cidades relativamente semelhantes a Porto Alegre nestes quesitos, dentro do Brasil.

A resposta à pergunta de Luis Fernando Verissimo não está no chimarrão, ou no número de gaúchos que hoje compõe os times da dupla Gre-Nal, e sim com quem estes clubes aprenderam a jogar bola. Ou seja, no pátio de nossos avós, invariavelmente embarrados.

E afirmar que o futebol gaúcho, em geral, prima pela força ou “raça” não exatamente quer dizer que os outros não possuem estas características, ou que não há técnica por aqui.

Como disse Luís Felipe na bela postagem que publicou no Impedimento, não é preciso nascer em alguma cidade interiorana do Rio Grande do Sul para se ter ‘’raça’’ e virilidade num campo de futebol. Mas que ter nascido por estes pagos ajuda na hora de encarar um Ba-Gua de bota, espora e bombacha, isto é inegável:



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Foto: Jornal Minuano (Bagé-RS), sobre o polêmico e último ''Ba-Gua de botas, esporas e bombachas'', realizado em 1988 na Pedra Moura, com jogadores amadores, e árbitro "de a cavalo".

13 comentários:

Germano Jaeschke Schneider disse...

Concordo. A influência platina (e também inglesa) no nosso futebol é muito forte. Como escrevi no twetter "O que Vicente Feola nos mostrou, um uruguaio já tinha nos dito numa roda de mate muito antes.


Minha opinião é essa: www.futebolforca.com/?p=1546

Luís Felipe disse...

Muito legal, cara. Excelente resposta e acho que tem tudo a ver. Vocês fazem um trabalho sensacional nessa idéia de recuperar a identidade cultural do futebol gaúcho que deve ser louvado, respeitado e repetido por onde passa. Eu sempre discordo dos mitos quando eles possuem incorreções históricas graves. Mas vocês não fazem isso e exaltam os mitos pelos seus reais motivos de importância. Isso é fundamental. Parabéns. Adoro respostas em alto nível.

André Kruse disse...

francamente achei o texto do impedimento uma bobagem panfletária. Visando justamente atacar uma das maiores figuras do Grêmio.

É inegável que o valor de Foguinho e sua inteligência de saber importar e adapatar um modelo europeu (viagem do cruzeirinho em 53)

George disse...

Grato, Luís Felipe!
Eu concordo contigo a respeito dos mitos que não correspondem à realidade histórica. No caso do texto do David Coimbra, apesar de bem escrito e agradável de ler, ele fica mais naquela observar o futebol de todo o RS, mas restringido ao futebol praticado em Porto Alegre, como se o interior não tivesse contribuido em nada com esta formação e principalmente, como se o futebol gaúcho tivesse só Porto Alegre como berço. Neste sentido, na minha opinião, é uma distorção da história.
Mas é válido também por proporcionar este tipo de debate, que confesso, é um dos meus assuntos prediletos.

André
Eu acho que o texto do Luís Felipe é mais no sentido de "atacar" os mitos que são muitas vezes vendidos, sem ser observada a história real. Por isso é interessante o contraditório, sempre pode aparecer uma informação nova ou ponto de vista diferente.


Abraço.

Chico colorado disse...

Concordo que a maneira de jogar da dupla Gre-Nal tenha sido muito influenciada sim pelos adversários do interior.
Ainda mais que lendo o post, vejo a foto de Daison Pontes ao lado. Todo jogo da dupla gre-nal em Passo Fundo contra o Gaúcho, se sabia que a porrada ia correr solta, e não importava se os jogadores da dupla Gre-Nal eram gaúchos ou não, o que importava era que eles iam ter que enfrentar essas pedreras e não podiam amarelar. Ainda mais que a pressão de ganhar de times menores sempre existiu. Eles tinham que estar pronto pra porrada também.

Saudações

André Kruse disse...

A ida do Foguinho a europa em 1953 não é um mito

Silva Júnior disse...

Essa foto do juíz "de a cavalo" é sensacional... sem essa foto seria difícil acreditar que algo assim existiu...eigalete porquera.. quem fazia o gol comemorava dançando chula na bandeirinha de escanteio..

alexandre_sp disse...

Buenas amigo.
Acho interessante notar que,antigamente(pelo menos aqui em SP)os jornalistas e torcedores em sua totalidade,atribuiam aos times gaúchos essa características de futebol força:raça,velocidade,disciplina tática etc.Essa atribuições eram sempre acompanhadas de críticas severas a esse "estilo" de jogo.(lembrem-se q em SP tivemos o São Paulo do Telê,o Palmeiras Parmalat etc.Todos esses representantes do chamado "futebol arte").
Na metade da década de noventa pra cá,as bases do chamado futebol força viraram uma espécie de "ideal perfeito" para os times do Brasil.Vemos hoje times que tradicionalmente jogavam "bonito" como o próprio São Paulo,Palmeiras,Santos,adotando o estilo "gaúcho" de jogar.
Com tudo isso,fico a pensar:Será q no século pasado o RS estava a frente de seu tempo???(em relação ao futebol)Já que hoje todos utilizam "os ensinamntos"da escola gaúcha de futebol?
Belo Blog!!!Abração

Thais Silva disse...

Olá, tudo bem?

Meu nome é Thais e trabalho na Edelman, agência de comunicação da L'acqua di Fiori (fabricante de perfumes e cosméticos).
Estamos lançando um novo perfume para o público teen e criamos um hotsite com conteúdo muito bacana.
Existe uma página toda dedicada a futebol, onde é possível encontrar a história e curiosidades sobre os 20 times da Série A do Brasileirão.
Dá uma passada lá, acho que você pode gostar: http://www.lacquadifiori.com.br/hotsite/teens/him/time-do-coracao

Abraços!

Silva Júnior disse...

Valeu pelas palavras cara. A velha do saco vive em nossos corações..hehe só cuida, é impressão minha ou se Paraguai e Brasil "afrouxarem", a Venezuela faz sua primeira Copa e a Argentina vai ver só pelo televisor...hahaha seria massa

Villas disse...

Me desculpem. Mas esse rapaz, Luís Felipe, está escrevendo bobagens e muita gente esta indo atrás... É muito fácil inventar teorias maniqueístas, mas se o Luís fosse bem informado, saberia que existem muitas fontes, que vão bem mais fundo no assunto do que conversa de torcedor, para explicar e comprovar a história real (que não tem nada a ver com a dele!). Mais aí não é só pesquisa de YouTube e Wikipédia. Precisa ler bastante, não apenas sobre futebol, além de entender realmente de futebol. Não basta o discurso metido a cronista.

Os argumentos do Luís são tão sólidos quanto a defesa do Brasil no primeiro gol da Suécia. Por que ele não falou deste, por exemplo? Alguém acredita mesmo que a Seleção de 58 tava na vanguarda da marcação?!

O impressionante é darem crédito pra isso e ficar nessa conversa puxa-saco.

R.Rodriguez disse...

Futebol gaúcho é um lixo, sempre prezou por uma suposta força física misturada com agressividade.
Tem muito a ver com provincianismo e separatismo da minoria interiorana.

Um time que faz isso até hoje é o Gremio, com sua torcida comprovadamente racista e que manda colocar jogadores da base medíocres se forem brancos e loiros como por exemplo Adilson, Neuton, Mario Fernandes...
Já li até no orkut o pessoal do gremio falando sério, que "temos que jogar com os nossos".

Mas futebol não é um veículo para frustrações e racismo, é um esporte apenas.

Eu prefiro o futebol dos meninos da vila, o inter de 2006 ou o são paulo de lucas. E vocês ?

Ostenfeld disse...

Eu prefiro o Guarany de Bagé de '92, o E.C. Igrejinha de '78 e o Borussia de '90.

O Futebol gaucho é um microcosmos, faz patria, é o jeito, o inter de 2006 foi um desvio de atenção do criador, pois o campeonato deveria ter vindo com um gol de canela do Gustavo (o próprio PAPA).

Vou criar um texo sobre o Estilo Gaucho de torcer organizadamente (sou de uma das T.O's do S.C Internacional) e o gaucho tem o seu jeito de...

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