Torcedores e(y) hinchas













Como de costume, o Rio Grande do Sul novamente passa por uma "crise de identidade" (as aspas são para não relevar tanto o termo em comparação ao seu sentido clássico). Não no sentido político, desta vez é menos sério, mas impossível não notar o caráter cultural (no sentido de afirmação) da discussão.

Até alguns anos atrás, as torcidas dentro dos dois maiores estádios gaúchos, eram divididas de maneira claramente distinta quanto ao comportamento (como torcedor): ou se pertencia a uma organizada, ou era um torcedor "comum". Pois de alguns anos pra cá, surgiram as "barras” (termo utilizado nos países hispânicos da América do Sul para designar "junção" de torcedores, organizados ou não). Pelo lado gremista, surgiu a 'Geral do Grêmio', e pelo lado colorado a 'Popular do Inter'.

Voltando um pouco no tempo, antes do surgimento destas torcidas (chamadas pelos seus participantes de "movimento"), a torcida do Grêmio era que continha mais as manifestações gaúchas, em faixas, bandeiras e discursos em "off" de torcedores. Já a torcida do Internacional, como era identificada com o 'povão', se distanciava do Rio Grande do Sul (culturalmente), de maneira até meio que artificial, era a torcida do samba e do axé, por exemplo. Grêmio era gaúcho, Internacional, brasileiro. O artificialismo citado, é que porque nem os gremistas da capital eram tão gaúchos (nos costumes) quanto os colorados da fronteira, nem os colorados do interior, eram tão 'sambistas' como alguns gremistas da capital, por exemplo.

Cabe um esclarecimento: dentro das torcidas organizadas da época, tanto as de Inter como as do Grêmio, utilizavam do "funk" em suas músicas, em virtude da influência de outras organizadas do resto do país.

A partir disso, criou-se uma imagem, baseada também nas duas vitórias na Libertadores (1983-1995) do Grêmio. O Grêmio 'hablava'. O Inter, sambava.
Em uma análise forçada, relegaram todos os costumes do Rio Grande do Sul a uma análise simplista, observando apenas a estética forjada e aceita.
Claro que deve ser lembrado, que um clube abrange primeiramente sua cidade, e depois o que mais vir. Mas o Rio Grande do Sul, em mais uma particularidade, tem torcedores fanáticos de ambos os clubes, tanto na própria cidade (Porto Alegre) como no interior.
Mas neste ponto também reside uma contradição, que observaremos a seguir.

Então, criou-se quase que uma obrigação entre as duas torcidas: os gremistas deviam enaltecer o Rio Grande do Sul, e os colorados estariam traindo sua origem colorada, caso não admirassem o samba e outras manifestações musicais e culturais do centro do país. O poder do discurso era forte, de ambos os lados, mesmo entre torcedores anônimos.

Então surgem as "barras". A torcida do Grêmio adota cantos "castelhanos" (na maioria dos casos, portenhos, na verdade, adaptados ou não à língua portuguesa) e o enaltecimento agora era à "alma castelhana", quase que um "ultra-gaúcho". Não por coincidência, mas talvez de forma inconsciente, a torcida do Inter (ou parte dela) se sente à vontade neste momento, para "ser gaúcho" e passa a enaltecer (neste caso, enaltecimento é estrito à faixas, cantos e discussões) o Rio Grande do Sul.
Com este avanço da torcida do Grêmio aos pampas orientais, a torcida do Inter pode ocupar sua verdadeira identidade, sem utilizar da mesma identidade da torcida do Grêmio, mantendo a distinção anterior, só que com novos parâmetros.

A torcida (ou 'movimento') gremista, passou a utilizar símbolos e gírias (ainda que artificiais) dos vizinhos platinos. A torcida (ou "movimento") colorada em contrapartida, passa a utilizar os símbolos e gírias do gaúcho do pampa, sem culpa desta vez.
Temos exemplos claros disto, nas faixas e músicas de ambas torcidas. A 'Geral do Grêmio" utiliza de termos espanhóis em faixas e músicas, na torcida do Inter, isso é abominável. A torcida do Grêmio, comemora gols com uma 'avalanche', também atitude repudiada pela torcida "Popular do Inter".
Novamente, uma clara demonstração de fronteiras, que apenas se deslocam, mas não se invadem ou misturam-se.

O inusitado, é que ambas torcidas, são formadas na sua maioria por porto-alegrenses, que têm origem (se não étnica, mas cultural) majoritariamente açoriana. Por isso termos que torcedores acham que são exclusivos do Prata (como "borracho", exemplo clássico), são termos que fazem parte do dia-a-dia dos gaúchos (colorados ou gremistas) da fronteira (Jaguarão, Bagé, Livramento, Uruguaiana, São Borja, Itaqui, etc). Então algum gaúcho desta região, por ser colorado, passa a estranhar a ojeriza de alguns torcedores em relação a termos tão comuns a eles. Já os torcedores da capital, tanto os que adotam os termos, quanto os que repudiam, pensam que são manifestações da cultura puramente platina.
Na verdade desconhecem nossa inabilidade em demarcar fronteiras culturais em tempos antigos, quando o pampa gaúcho era uma coisa só, bem mais hispânico e charrua do que açoriano. Os sotaques de cada região do Rio Grande do Sul nos dão mostras significativas disto, e da distância entre uma e outra 'colonização'.

De qualquer maneira, ambas iniciativas têm atuado de forma positiva em termos de mobilização de torcedores, mas carecem justamente por isto, do caráter genuíno, autêntico.

Fica o pobre gaúcho (colorado ou gremista), numa confusão de termos e de identidade. Qual a distância do samba para o chamamé em Porto Alegre? Torcedores de Inter e Grêmio existem por todo o Estado...

Talvez por isso também, ainda encontra maior resistência entre torcedores do Internacional (apesar de estar havendo uma mudança significativa), o culto exclusivo das coisas do Rio Grande do Sul.

Na verdade, por mais esforço que os "movimentos" (de Grêmio e Inter) façam, esta cultura, que inclui termos, músicas e símbolos, é exógena de maneira geral aos habitantes de Porto Alegre, sejam colorados ou gremistas. Por isto os desentendimento quanto à forma e estética, dentro dos próprios 'movimentos'. São coisas que não se colocam de maneira espontânea. Por muito tempo, o gaúcho fronteiriço e interiorano era o "gauchinho" (pejorativamente chamado) quando visitava a capital e agora este é um modelo pronto e acabado do que é ser gaúcho?

A conversa é apenas sobre torcidas, mas percebe-se que vai muito mais além, ou pelo menos, poderia ir muito mais além.

Não restam muitas certezas, mas uma delas é que nem o gaúcho da capital sabe o que é um "gaúcho". Tomam chimarrão (ou mate) como os platinos, mas detestam platinos. Admiram a suposta altivez platina, mas abafam a própria identidade.

Talvez seja tudo apenas questão de informação, mas até lá, muitas coisas se dirão sobre o Rio Grande do Sul.

Fica o elogio a ambas as torcidas que proporcionam um belo espetáculo a cada partida, e que lutam bravamente para mobilizar seus estádios, mas se acusam mutuamente de coisas injustas. Nem tanto lá, nem tanto cá. Mas fazem um belo barulho

Tema vasto, é fácil se tornar enfadonho, apesar de ter mais a escrever, finalizo com um verso, do Jayme Caetano Braun:

“E um dia quando souberes”
Que este gaúcho morreu
Nalgum livro serás eu
E nesse novo viver
Eu somente quero ser
A mais apagada imagem
Deste Rio Grande selvagem
Que até morto hey de querer!"


8 comentários:

bbporto disse...

bastante interessante teu texto. muito poderia ser discutido sobre a identidade do gaúcho e esta mescla cultural pampiana. porém se o foco é relativo às torcidas de futebol, deverias salientar que este tipo de torcida esta virando coqueluche no país. cansados das torcidas que cantam funk e exalta seu nome acima do nome do clube, muitos torcidores tem se mobilizado para criar torcidas com o intuito de canto e amor incondicional à equipe. Exemplos são o Movimento 105 minutos do Galo (http://www.movimento105.com/), guerreiros do almirante no vasco, tabla bugrinha no guarani, entre outras. Isso tudo iniciou com a Geral do Grêmio. Isso é importante salientar. Mesmo sem entrar na discussão valorativa da torcida Popular do Inter, ela é pós Geral do Grêmio e por isso é considerada influenciada pela torcida gremista, o que gera mal estar em muitos colorados.
A Geral é a precursora deste tipo de torcida no Brasil. Tipo de torcida mutio comum em todos os páises da América Latina.

um abraço

Bruno ortiz porto

Anônimo disse...

Concordo com o Post e o comentário acima (do Bruno).
Claro que muitos colorados se sentem mal ao serem comparados com outros times/torcidas principalmente se tratando de gremio. O mesmo aconteceria se invertêssemos o foco, e disséssemos, com razão, que a geral é baseada em torcidas Latino-Americanas, como as Argentinas, e Uruguaias. Isso causa revolta entre alguns gremistas que preferem ser reconhecidos como "precursor das barras brava no brasil", ao invés de: "os que trouxeram as barras para o Brasil"

Sobre o Post, acho que o autor tenta fazer comparações entre muitos fatores, nos quais, boa parte deles não pode ser facilmente mensurados. Existe muita generalização ao afirmar que a torcida do Inter tentava ser mais próxima às torcidas de fora do RS.
Isso é um fato que pode ser considerado nacional. As Torcidas Organizadas, em si, assumiram algumas identidades e posturas, e como se existisse um "código de ética" as seguiam. Isso começou a mudar com a Alma Castelhana (posteriormente veio a se chamar Geral do Grêmio) no qual inseriram uma nova forma de torcer.
Acredito que esteja ocorrendo uma "evolução", pois as torcidas organizadas estavam sendo perseguidas, pelos seus atos de vandalismo, e como os membros eram cadastrados, eram facilmente reconhecidos e punidos (digo isso no RS!). Dessa forma muitas torcidas organizadas cederam, e deram lugar as barras (isso também vale para o RS), mas parece uma tendência natural, pois o gremio, que importou dos vizinhos próximos esta forma de torcer, praticamente não conta mais com torcidas organizadas (Raça, garra, jovem, etc...)

Foram apenas algumas observações... ;)

Anônimo disse...

Interessante, também, observar que sempre houve um comportamento contrário, entre as torcidas da dupla GRENAL.

Enquanto a torcida do gremio se mostra um tanto quanto FACISTA (com estimulos racista, e/ou a uma burguesia) a torcida do Inter adotou um rótulo comunista e anti-facista/nazista (é fácil encontrar bandeiras com foto do Che Guevara, ou bandeiras da palestina ou da antiga URSS). Interessante.
Isso me leva a pensar, será que ao invés de "falta de personalidade" dos dois povos (vermelhos, e azuis), não existe aí, uma richa tão forte, que faz uma torcida escolher o oposto do seu rival?

Enquanto os azuis enxergam neles as virtudes castelhanas, os vermelhos, as escurraçam. Enquanto os colorados acreditam ter a mais pura raça gaucha, os gremistas afirmam que é deles o comportamento de força e virilidade.
Não estou fazendo nenhuma analogia a quem teria começado, ou simplesmente incitado tal comportamento (como fazem hoje os "geraldinos" sobre os (quem sabe) "populistas").

O bonito, segundo ótica gremista, é
ser diferente do colorado, assim como a recíproca é verdadeira, e vem sendo seguida a anos. Quando existe inovação de um lado, existe resposta, ou rechaça do outro. E assim sempre será. Vivem como dos EXTREMOS.

Diferentes, não. Simplesmente os opostos!

Anônimo disse...

Concordo com todos os comentários ,em parte,rivalidade existe em todas as torcidas,vou analizar as duas torcidas do seu modo de pensar.
A geral,foi um grupo de argentinos que lançaram esse modo de torcer aqui no sul,essa torcida sempre foi grande mas pouco conhecida,a geral estorou na midia a mais ou menos dois anos pela famosa avalanche,a torcida só se deu bem porque ela se identifica em grande parte com o Gremio,no seu modo de raça e fanatismo um pouco copiado dos torcedores argentinos.Também acho que dizer que a geral é uma imitação das torcidas latinas-americanas é mentira,porque fundadores da geral são argentinos e a geral se identifica mais com os argentinos que com os urguaios,paraguaios e até colombiano.Analizando também que todos os atos da torcida são extremamente copiados tornando-os mais identificados como argentinos que como uma nova era de torcidas no Brasil.
Popular,uma torcida que de fato foi criada para combater a geral,para ser melhor que a geral,diferente da geral,a popular não faz avalanches e também não canta musicas em idioma espanhol,isso a torna uma torcida mais diferente,mesmo com muitos conhecedores de torcidas acharem que a popular é totalmente uma imitação da geral,é inesplicável as diferenças como ja citadas antes comemorações e musicas cantadas em idiomas estrangeiros,como o gremio sempre teve superioridade no sul ,tanto por ter títulos mais importantes,como por serem os mais arrogantes e racistas,afirmo com convicção que a popular é muito melhor do que a geral,acho que a popular sim,lançou um novo estilo de torcer,tanto como o nome da popular é também barra brava da guarda da popular...Acho também que os atos de vandalismo e racismo prejudicam a torcida da geral,tornando-a a vilã da história,sendo q a popular não tem nenhum ato parecido registrado,isso mostra que a popular vai pra torcere apoiar o time e não vai pra queimar banheiros dos estádios adversários como vez a geral no beira-rio.
eu acho comentadores anteriores deveriam analizar bem as torcidas antes de julgá-las
popular é um novo estilo...

Anônimo disse...

Da onde tu tirou que o inter é samba e o gremio é gaucho??

QUe mentira desgranada.

As duas torcidas até o final da decada de 90,eram dominados apenas por torcidas organizadas(INTER E GREMIO) e ambas tinham nas torcidas organizadas as musicas de funk e samba,dizer que apenas o inter era assim é uma mentira.

Alias,o Inter é o clube que sempre aliou raça,tecnica e força.
Foi assim no ROLO COMPRESSOR que passava por cima dos adversarios (tanto fsicamente como tecnicamente),uma equipe que tinha Salvador (Ganhou fama desde que quebrou a perna de Xisto do Grêmio. porem era um atleta tb extremamente tecnico),que tinha o zagueiro Nena ("Antes de começar o jogo, Nena ia até um determinado ponto na frente da meia-lua da sua área e fazia uma cruz no chão, com o pé. Atacante adversário que tentasse passar dali estava arriscando a vida"),o atacante argentino Villalba ,Tesourinha,enfum o inter sempre foi COMPLETO.

Chegou a gloriosa década de 70 e o inter volta a dominar o cenário do futebol,e como?
RAÇA e Técnica novamente,jogadores fortes,com ótimo preparo fisico aliado a grande tecnica como Falcao,Figuerioa,Marinho Perez,Carpeggiane,Batista,Valdomiro(atacante de grande velocidade e força).o INTER SEMPRE FOI ASSIM,o Clube que aliou a técnica brasileira e a raça gaucha.Por isso o Inter é único.
O Inter é místico.

O gremio ao inverso,adora se intitular como time castelhano,e nao tem nenhuma identidade propria.

Rafa disse...

Pertinentes os comentários anteriores. E concordo com grande parte deles. Porém afirmar "popular é um novo estilo" é um devaneio total. Então porque a Popular foi surgir justamente depois da Geral do Grêmio? É óbvio que ela foi uma resposta ao explendoroso movimento da Geral, inovador no Brasil. Hoje em dia todos as torcidas brasileiras estão migrando para esse estilo barra de torcer. E os primeiros a sofrerem a influência da Geral foram justamente os colorados. Também vale salientar que a Geral é um movimento muito mais aceito e bem quisto dentro da nação gremista do que a Popular entre os colorados. Quanto á violência, realmente é de se lamentar, mas considero que isso em grande parte é devido á Geral ser um movimento aberto á todos. Não se trata de uma organizada, então àqueles que vão lá pra apoiar o time incondicionalmente, se juntam as vezes baderneiros. Mas a isso estamos sujeitos em diversos tipos de manifestações populares, como shows e eventos políticos.

Anônimo disse...

não aprovei este texto

Anônimo disse...

Não existe "identidade" sem invenção. A urdidura da "identidade" é um processo de criação. O tipo gaúcho não é monolítico - e, a rigor, o gaúcho do RS é uma construção da segunda metade do século XX. A recuperação do "gaucho pampeano" como símbolo da virilidade e da resistência infatigável é uma obra meramente oportunista.
Hoje é ridículo catalogar completamente as possibilidades evocadas no terreno identitário. O mundo moderno vive da derrubada de todas as fronteiras, de um modo que a mestiçagem é a prova mais fiel do tipo de homem moderno. Vivemos na mais absoluta confusão como seres híbridos.
As Barras surgem primeiramente como uma libertação das organizações fechadas das Organizadas; porém, gradualmente seguem o exemplo de militarização - que passa a adorar mais a própria imagem do que o time.
O alegado "brasileirismo" do Internacional expressa simplesmente o caráter popular e o abrigo dos elementos esquecidos na constituição étnica do RS em sua torcida - que razoavelmente empresta uma origem mais esquerdista e mais igualitária ao clube. E mais: o Brasil é tido como o país do futebol arte, que pratica o futebol bonito e virtuoso, e que curiosamente encontrou sua expressão no RS exatamente no Sport Club Internacional. Não se trata de falta de raça, espírito ou "imortalidade", mas apenas de um feliz acaso que as melhores conjunções de craques tenham desfilado sua técnica no time colorado.

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