Escrevo esta postagem, principalmente, como uma maneira de prestar um serviço à memória do futebol, ao menos no que tange a internet, já que na época do ocorrido, as publicações bageenses não eram “upadas” para a rede. Então, a partir de agora, espero que quem procure pelo jogo abaixo relatado na internet, chegue pelo menos a este texto, que apesar das falhas da memória, já é alguma coisa.
O ano é 1994, e o local é o estádio da Pedra Moura.
Os dirigentes de Bagé e Guarany organizaram uma rodada dupla, na qual as equipes locais enfrentariam duas equipes de Montevidéu. Ao Guarany tocou enfrentar o Sud América, naranja, e o jogo de fundo seria Bagé x Miramar Misiones, la zebrita.
O primeiro jogo começou às 15h30min, e transcorreu dentro da normalidade. A partida entre Bagé e Miramar Misiones começou quando já caia a noite. Era uma noite muito fria, com o vento ajudando a aumentar o frio e uma garoa miúda de congelar ossos.
Neste cenário começou o prélio amistoso internacional.
O frio era tão intenso que desestimulou a torcida do Guarany a apoiar os adversários do Bagé e se retirou em sua maioria, numa atitude sensata.
Para quem não conhece a Pedra Moura e nem as rodadas duplas, uma breve explicação: em algumas situações, como nestes dois amistosos, ou quando Bagé e Guarany reformaram seus gramados, ocorreram a rodada dupla: o rival fazia a preliminar e o dono da casa fazia a partida de fundo. Neste tipo de rodada, quem era beneficiado também eram os times visitantes, que passavam a contar com inesperada e ardorosa torcida, ocasionando um verdadeiro Ba-Gua, ao menos nas arquibancadas.
Ocorre que na Pedra Moura, a torcida adversária fica na lateral oposta ao “pavilhão social”, sem nenhuma cobertura. E este pavilhão é a única área coberta do estádio.
Voltando ao jogo, começada a partida, eu e meu irmão (na época eu com 16 anos e ele com 11) estávamos no lugar que costumávamos assistir sempre os jogos: atrás da casamata adversária (hoje em dia não existem mais as casamatas, que foram destruídas na reforma de 2004, mas na foto abaixo vocês podem observar como era antigamente):
Neste local do estádio podíamos externar toda a nossa paixão jalde-negra, estranhamente contra os adversários que ficavam por ali, a poucos metros do primeiro degrau da arquibancada. Mas como contei no começo do texto, caía uma chuva miúda, que era quase neve, mas quando apertava virava chuva mesmo. Pensando nisto, “subimos” para o pavilhão, como a maioria que estava lá naquela noite.
O jogo ia bonito, apesar de ser um amistoso internacional, estava com toda a cara de Gauchão. O campo estava virado numa mangueira, e os jogadores não tratavam o jogo como amistoso. Muita correria, chegadas ríspidas, carrinhos e toda a sorte de golpes lícitos e ilícitos.
E a coisa ia assim, acirrando os ânimos, esquentando os torcedores naquele gelado inverno e tornando a partida uma decisão Rio Grande do Sul x Uruguai.
Até que lá pelas tantas, já no segundo round, uma falta para o Bagé, uns 35 metros da goleira, mas frontal.
Um jogador do Bagé, de apodo Capincho, pega a bola para cobrar a falta. Arruma o balão no chão, e se levanta, com aquele jeito de quem ainda vai decidir se cobra direto ou se cruza na área. Mas neste momento, dá de cara com um jogador do Misiones muito perto do rosto dele. Não trocam, aparentemente, uma palavra sequer. Encaram-se. O jalde-negro empurra o “zebrita” forte, na altura do pescoço, e o desequilibra, como que arrumando espaço para cobrar a falta. Na volta do “desequilíbrio”, o jogador do Misiones já vem com o punho na frente, desferindo um soco no atleta jalde-negro.
O jogador do Bagé devolve o cumprimento, mas por cordialidade, adiciona um pontapé lateral. Ato contínuo, o jogador do Miramar “se bota”, e os dois continuam nessa troca de socos e pontapés. Claro que escrever sobre isto é lento, mas na hora foi rápido, e no momento que começou a ‘’trocação’’, ambas as equipes correram em direção à pugna que ali se instalara. A partir daí, é difícil relatar com precisão, porque além dos anos para embaçar minha memória, criaram-se muitos os focos pelo campo...e aí a briga começou.
Nesta altura, eu e meu irmão, comodamente instalados nas cadeiras da Pedra Moura, nos sentimos como traidores, enquanto a peleia ia solta, nós ali, longe da casamata dos “visita”, sem nem ao menos xingar. A resolução foi rápida: vamos para a tela. Para isto pulamos o muro que faz a divisa das sociais com a arquibancada, que se encontrava quase vazia naquele local, e outros torcedores, empolgados com o nosso gesto (quero crer), fizeram o mesmo. A Brigada, que estava em pouco número junto à tela, se assustou com a movimentação repentina, e partiu pra cima de nós, subindo os degraus em direção à pequena turba (em número e idade) com cacetetes em punho e com a intenção clara de liquidar com o nosso “aguante”. De qualquer maneira, das humilhações a menor, não tivemos que pular de volta para as sociais fugindo, mas ficou claro que não poderíamos sequer tocar na tela do gramado.
Em campo, o que havia começado com apenas dois jogadores, agora envolvia os 22 atletas e mais as duas comissões técnicas. Lembro de pequenos grupos de jogadores brigando quase isoladamente, como por exemplo, dois atletas do Bagé, segurando e dando socos em dois jogadores do Miramar, colocando-os contra a tela (bem no trecho em que a Brigada não deixava a torcida chegar perto).
Para não me perder em pequenos relatos de tantas brigas que ocorreram naquela verdadeira luta campal, relato um fato curioso, mas que mostra bem o tamanho da briga, e provo que esta sim, pode ser chamada de generalizada.
Nesta época, o Bagé possuía um massagista que pesava muito além dos 100 quilos. Ele foi um dos que tornaram a labuta “generalizada”.
Quando vemos, adentra ao gramado, correndo em direção ao grande círculo, o massagista, numa corrida desajeitada por causa do peso e do barro.
O alvo: um jogador do Misiones, obviamente.
A arma: um soco poderoso, capaz de botar a dormir um javali.
O fail : o castelhano se esquivou e o massagista, desequilibrado, girou sobre o próprio eixo, uns 180º. A consagração: sem intenção, o massagista quando já estava de costas para o oponente, não sustentou mais o equilíbrio, e acabou caindo em cima do uruguayo. Festa nas arquibancadas: o jogador adversário estava espremido entre o generoso peso do massagista e o gramado embarrado e o principal,fora de combate.
Sinceramente não lembro em que altura conseguiram, os mais calmos dentro de campo e a brigada, acabar com a contenda. Mas acabou.
Outro fato engraçado foi que, ao acabar a briga, um dirigente do Bagé “invade” o túnel do Misiones, mas com a intenção de pedir desculpas pelo ocorrido. Já estava indo em direção a um dirigente, que não sabia do final da briga, e ouve do uruguaio: “Não me dê! Não me dê!”. Teve que explicar a razão da visita.
Já estava programado que ao final da partida, o Bagé ofereceria um jantar ao Miramar Misiones, na AABB de Bagé. E o jantar ocorreu, e por incrível que possa parecer, com a presença de vários jogadores e dirigentes jalde-negros.
Meu pai sempre havia falado, que nas andanças como técnico já tinha enfrentado algumas vezes uruguayos, e de um comportamento particular deles. E isto se comprovou neste jantar: a briga foi dentro do campo, e por mais violenta que tenha sido, no jantar todos riam e celebravam. O tema predominante, claro, foi a briga de mais cedo, cada um contando seu ponto de vista, no mais autêntico portunhol. Ali sim, foi onde ocorreu o amistoso.
Bem, eu não fui nesse jantar, soube disso por quem lá esteve. Saí da Pedra Moura direto para casa (morava cerca de oito quarteirões do estádio, bons tempos). Ligo a TV, Jornal Nacional* no final e qual minha surpresa: revejo o giro matador do massagista do Bagé, em cadeia nacional. Só o Bagé...
O resultado do jogo, realmente não lembro (não foi o mais importante), mas perguntarei pra outras pessoas e faço a edição aqui. Mas que foi um baita jogo, foi.
* Tentei, há dois anos atrás recuperar esta filmagem através de e-mails para a Globo. Não consegui, por enquanto.
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4 comentários:
Grande George... O cara que valoriza e mantém vivo o futebol do interior, aquele que não está nos holofotes da grande mídia mas que é responsável pelo orgulho local, comunitário...Parabéns pelo blog. Afinal, caso não existissem os times "pequenos" não existiriam os craques da bola, haja vista que o futebol nasce, e cresce, devido os clubes do interior, formadores e garimpaores de craque, porém, sem dinheiro, muitas vezes, apoio e patrocínio... Parabéns pela iniciativa que está aí, há tempos, servindo de informações, memória e recordações desse futebol onde "do pescoço pra baixo é canela...".. Saudações de um amigo da rainha da fronteira, irmão do Igor, um grande defensor, no campo, e, agora, na vida..hehe OBS: vou colocar o link, no meu blog, divulgando o teu...Abraço ao ilustre amigo.. Silva Júnior
Bagé! O maior time da Pedra Moura!
Juninho: Valeu, meu irmão! Te respondi na postagem do blog.
Maurício: Já é alguma coisa...o teu Juventude nem no Jaconi é o maior...hhahahahaha.
Eu estava no estádio!! Que pauleira, até pedaço da arquibancada foram arrancados e jogados nos castelhanos.
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