Decisão por pênaltis

A decisão por pênaltis é sempre um tormento para os batedores, principalmente. Em qualquer competição, por qualquer equipe, em qualquer campo onde se jogue o futebol.

Na noite de ontem o EC Pelotas foi eliminado da Copa RS nos pênaltis.
O torcedor áureo-cerúleo Manoel Soares Magalhães, relembrou de seu passado "futebolero" na comunidade do EC Pelotas, num texto que ilustra muito bem a experiência de errar um pênalti, o qual está reproduzido abaixo.
Agradeço ao Manoel pela autorização da publicação do texto aqui.




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Auto-imolação *

Quando jovem, joguei futebol. Nessa época eu trabalhava como repórter no Diário Popular e disputava o campeonato de gráficas em Pelotas. Era atacante. Jogava razoavelmente bem; na época um atacante com cheiro de gol não era chamado "matador". Eu era, digamos, um matador. Não tinha jogo que eu não deixasse minha marca.

Certa tarde de domingo, no campo do Bancário, houve uma partida memorável. Precisávamos vencer por um gol de diferença. No tempo normal, deixei o meu. Mas, ainda assim, haveria cobrança de penalidades.
O estádio estava cheio; as torcidas se agitavam à roda do campo. Na minha cabeça, assim como na cabeça de todos os atletas - inclusive na cabeça dos jogadores do time oponente - a preocupação martelava como um surdo.
Pênalti é forma mais terrível de acabar um jogo. Competência é importante, sim! Mas têm outros fatores que determinam a tragédia de um jogador ou sua glória. Portanto, o suplício começou. As batidas foram ótimas de ambos os lados.
Quando chegou minha vez, minha cabeça estourava de dor e as pernas não eram pernas, mas barras de granito. Fui ao encontro da bola como quem se dirigia ao calvário. À medida que eu caminhava, o goleiro se agigantava e a goleira, como que por encanto, estreitava-se. A bola da me aguardava na risca do pênalti. Curvei-me para arrumá-la melhor, e puxar dos pulmões ar, mais ar, pois eu estava sufocado. A torcida eu não conseguia ouvir... Ouvia, sim, o coração martelar sangue, sangue que escorria célere pelas veias. Olhei para o goleiro. Parecia uma estátua de gelo na minha frente, braços abertos... Tive ímpetos de fechar os olhos, mas, num último arranco de coragem, os mantive abertos.

Corri para a bola. Correr, não. Foi, creiam nisso, o caminho mais longo de minha vida. Ao chegar perto da bola, e erguer a perna esquerda para nela bater, tive a certeza de que erraria. Bati. Firme. Isto é, julguei que tivesse sido firme. Mas não foi firme, não. Bati nas mãos do goleiro, que praticamente não se mexeu abaixo do travessão. Ele, igualmente tenso, espalmou a bola.

Eu desabei.
Desabei mesmo. Em lágrimas. Eu perdera o gol. A torcida, enfurecida, berrava, me chamando de incompetente, de burro. Eu ali, de joelhos, auto-imolando-me... Foi o que aconteceu sábado à noite na Boca. Vi dois jogadores auto-imolar-se. Passaram pela experiência que eu passara, anos atrás, eles na condição de profissionais, eu na de amador. Mas a experiência é trágica.
O jogo, então, teve para mim um gosto terrível, pois reavivou em minha mente àquele terrível dia. Assim, gurizada, condenar um batedor de penaltis é tempo perdido. Ele já está por demais condenado. Mergulha na mais tenebrosa das noites. Não precisa, não, de detratores. Ele se detrata a sós... Arranca mentalmente a perna que falhou. Destrói-se por dentro como se houvesse em suas entranhas um roedor colossal. Quem perde uma penalidade máxima perde a vida. Sufoca-se. O sangue congela nas veias. Não, não vamos condenar o batedor de penalti à condenação eterna. Por que? Porque ele já condenou-se.

Manoel Soares Magalhães

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* Manoel Soares Magalhães é jornalista, escritor e artista plástico, e fundamentalmente torcedor do Esporte Clube Pelotas.

...Puro Futebol




1 comentários:

Maurício Alejándro Kehrwald disse...

Bah... poucas coisas no futebol me fizeram tão feliz cuanto a vez em que o Marcelinho Carioca errou o pênalti contra o Palmeiras na Libertadores de 99... (ou 2000?)

Ele merecia errar

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