Histórias do Futebol III - O primeiro clássico

Existe um clássico no interior do Rio Grande do Sul, entre os dois times profissionais da cidade de Bagé (cidade de 130.000 habitantes e histórica, fica na fronteira sudoeste gaúcha, com o Uruguai) . Chamado de "Ba-Gua", o confronto é entre Bagé (1920) e Guarany (1907). Já se enfrentaram 392 vezes.
O Guarany é o vermelho e branco, o Bagé o amarelo e preto, ambos listrados verticalmente.
Este clássico tem milhares de maravilhosas histórias, lendas e causos. Lembrando disso irei aos poucos contar alguns aqui. Mas este que escrevo hoje é mais singelo, não há uma grande história, mas é um acontecimento pessoal.

Apesar da história se passar em Bagé, qualquer um, de qualquer lugar do mundo (alô, leitores portugueses! Do aguerrido Benfica x Porto) pode se identificar em certo aspecto.

O relato é comum, apenas mais uma história de como se formam torcedores. Fui levar meu filho ao primeiro Ba-Gua dele. Ele já havia assistido alguns jogos quando menor, mas sempre o levava em jogos de menor público, como campeonato de juniores, em que ele mais brincava nas arquibancadas do que assistia algo da partida.

Pois já não residíamos mais em Bagé, e justamente num final de semana em que visitávamos a nossa "Rainha da Fronteira", haveria o clássico. Não ia perder a chance de assistir ao jogo, e meu filho queria ir junto. Fomos.

Como torcedor jalde-negro (Bagé), vesti minha amarela e preta e também o guri. Ele tinha 7 anos a época. E fomos pro campo. O jogo era na Pedra Moura, estádio do Bagé.

Uma das coisas mais legais de ir aos jogos do Bagé depois de estar morando fora da cidade, é o reencontro com velhos amigos. Encontrei um monte de gente, e até chegar onde iria assistir ao jogo, levei mais de 20 minutos. Fora matar a saudade da infância.

O jogo era numa tarde típica de inverno bageense. Gelada, nublada, com algumas aparições do sol, entre muitas nuvens, mas sem chuva naquele dia. Bergamota na arquibancada, estádio lotado, a tela (diferentemente dos grandes estádios) a dois metros do nariz.

O jogo foi um Ba-Gua de sempre. Muita luta, várias jogadas ríspidas, dedo na cara e todo tipo de "desacato". Meu filho pela primeira vez, realmente prestava atenção na partida. Várias perguntas prosaicas, do tipo: "por que ele levantou a bandeira?", "por que o jogador está irritado?", "por que estão xingando?", e por aí vai.

O Bagé sai na frente. Um a zero. Festa do nosso lado. No segundo tempo, empate do Guarany.
Silêncio do nosso lado. Para uma criança a cena é impressionante, pois do outro lado é um grito uníssono, e na nossa arquibancada apenas gritos de xingamentos ao bandeirinha. A torcida do Bagé contestava impedimento. De onde estava, até hoje não posso saber se foi impedimento, ou não. E o empate se sustentou até o fim.

Na saída dos times de campo, como era Ba-Gua, o tempo fecha. As provocações e tiradas de satisfação acabam em pancadaria. Na nossa frente, bem na entrada das "casamatas" (não sei se é só aqui que denominam assim). Meu filho de olho vidrado, não perdia nada.
Intervenção da polícia, alguns diretores em campo, acaba a confusão.

Após a partida, parte da torcida do Bagé vai para onde sai o trio de arbitragem. Protestos, mas nada de grave, houve intervenção da polícia. Meu filho no muro da arquibancada, assistindo os brados de "roubaram do Bagé, roubaram do Bagé!".

O que poderia ter sido um jogo "ruim" para uma primeira partida de alguém, na verdade foi marcante para ele. Mesmo empatando, ele tinha vivido o que realmente é um Ba-Gua.
E amigos, muitos de vocês estão acostumados com clássicos maiores, do tipo Gre-Nal, Porto x Benfica, etc. Mas clássico é clássico, posso garantir a vocês, guardadas as proporções de estádios e públicos.

Hoje meu filho está com 9 anos, acompanha o futebol, e para a idade até tem assistido bastante partidas pela TV, ainda que não inteiras.

Mas quando o convido para assistir um jogo fora de Bagé, a pergunta dele é sempre a mesma:
"É Ba-Gua?".
Se não for, perco o parceiro de arquibancada.
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Esta partida ocorreu em 26 de junho de 2004, na Pedra Moura, e foi válida pelo Campeonato Gaúcho da Segunda Divisão.

Foto: Jornal Zero Hora (esta foto é de um Ba-Gua, mas não é a do jogo relatado acima)

2 comentários:

Maurício Alejándro Kehrwald disse...

Bah, cara... que legal essa história...
Que legal...

Meu primeiro jogo foi um Inter x Santa Cruz válido pelo gauchão de 89. O Inter perdeu de 2x1 em casa e ali eu vi que o futebol me perseguiria para sempre... mesmo que não tivesse consciência disso nessas palavras...

ps: você, por ser do interior, tem o álibi de todo o cronista esportivo interiorano e gaúcho.

Eu não sou Grêmio, não sou Inter. Sou do (aqui vai o time de sua cidade)

Abraço.

George disse...

Hehehehe...é verdade, os caras sempre são torcedores do "futebol alternativo". Mas realmente não é meu caso. Sou fanático pelo Bagé.
Por exemplo, o link que tem no texto, leva para um site do Bagé, que fui eu que fiz...deu um trabalhão, apesar de ser simples, mas queria ver o Bagé na web.

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