Meu clássico inesquecível

A paixão pelo futebol se cria de várias maneiras. Mas uma das mais comuns é o próprio jogo. Simplesmente futebol. Nos anos da infância e do início de adolescência milhares de "clássicos" são travados em pequenas canchas, escolinhas, times mirins, entre outros.

O futebol, diferentemente da maioria dos esportes, incrivelmente não exclui o jogador com pouca técnica, aliás alguns até fazem sucesso no futebol profissional. E isso é uma característica singular do futebol. Já vi muitos amigos abandonar a prática do basquete, do tênis, do paddle, da sinuca e assim vai. Mas no caso do futebol, a falta de técnica nunca foi empecilho para alguém parar de praticar o esporte. O apaixonado por futebol insiste, e nem é insistência depois de certa altura, é apenas devoção. Que não seja profissionalmente, que seja na domingueira, no jogo da escola ou da faculdade. Mas estamos sempre lá. Muitos sabem que cada partida, ainda que amadora, é uma verdadeira batalha contra a natureza. Mas os anos passam, o corpo toma medidas desproporcionais em relação ao campo ou quadra, e inclusive pagamos para praticar nosso mau futebol,mas nosso futebol.

Meu primeiro 'clássico' foi em 1987, num campo de areia. O campo de areia era uma espécie de cancha da segunda divisão da escola. A "primeira divisão" era no ginásio coberto (reservado apenas para as aulas de Educação Física). Os times "seculares"(e por que não?) eram os das turmas da quarta série. A 144 (os mais velhos dentro da série), contra nós, a 142. Jogos parelhos, apesar da diferença de idade (acho que eram meses mais velhos apenas, mas na época fazia diferença). Verdadeiros clássicos do futebol colegial. Extra-oficiais e sem juiz, imaginem. Valia a palavra ou em alguns casos o velho "choro".
As regras? Poucas. Batia no muro, era lateral. A disposição tática? Um goleiro (geralmente o mais gordinho), dois zagueiros (os mais altos e/ou mais velhos) e o resto só mirava a outra goleira.
Sobre as goleiras: neste campo de terra, uma das goleiras era duas árvores paralelas perto do muro da "linha de fundo", e a outra eram dois postes que seguravam a tela da quadra de cimento, a outra "linha de fundo" de nosso "caldeirão". A bola? Da mais pura borracha, que hoje lembrando imagino que era quase maciça. A bola era temida, de certa forma. Lembro que tinha as iniciais, pintadas com pincel atômico: C.E.S

Em campo, jogadores disponibilizados de acordo com o número de "homens" de cada sala dispostos a jogar. Se tivesse um a mais pra algum dos lados, era vergonhoso reclamar. Que a turma inferiorizada trouxesse mais jogadores na partida seguinte, ou que não reclamasse.
O tempo de bola rolando? Exatamente o tempo do "recreio" e que o "sino" tocasse antes, enquanto estivéssemos ganhando.
As faltas? Só se te quebrassem, literalmente, algum osso do corpo.

Pois meu clássico inesquecível, foi um 6 x 1, pró 142. Tenho quase certeza que era uma quinta-feira. Com um time "de novos", jogamos impecavelmente. O recreio era de 15 minutos. Em quinze minutos jogamos como nunca havíamos jogado, e nem jogaríamos quinze anos depois. Saímos perdendo, pois as viradas são mais heróicas. Empatamos em seguida, e talvez o empate tenha desestabilizado os adversários. O controle do jogo era nosso, mas era algo que quase fugia do nosso controle também: tudo dava certo.

Foi um, dois, três, quatro, cinco...seis! Inclusive eu, um dos que não era zagueiro nem goleiro, imprimi o terceiro gol no placar. De sola, após exímio cruzamento da direita, acho que do Igor(nosso atacante pelas duas pontas). Na goleira das árvores paralelas.

Foi o nosso título particular. Para maioria, o principal título dentro das quatro linhas (ou dos 3 muros, no caso, e a tela da quadra do fundo). Voltamos para a sala de aula entre gritos de desacato com os mais velhos, do time adversário.
Suados, rostos rubros, vencedores e só sorrisos. Sem paradas no "bebedor". O resto da tarde (de aula) perdeu completamente a importância. Tudo era comentários sobre a proeza e recordações de lances.

Isto tudo foi na minha 4ª série. Foi o nosso clássico. Foi numa tarde de inverno de Bagé, e tenho quase certeza que foi numa quinta-feira. Naquela tarde, nem as ameaças de brigas dos mais velhos, calaram nossa "flauta". Eles admitiam a derrota. Foi justa e em campo.

Guardo a quase certeza que era uma quinta-feira porque, acreditem, na sexta-feira tomamos 6 x 1 de volta. Isso é o futebol. Puro Futebol.

A foto é meramente ilustrativa (e não sei qual o autor), mas serve para todos que conheceram esta doença que é amar o futebol. Agredecimentos aos nossos valorosos adversários, da 144. Aos meus companheiros de cancha e de "clube", nossa memória.

Bagé, algum dia de agosto de 1987.

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